Summary: | Este trabalho teve como ponto de origem a prática pedagógica de professores amazônidas, ribeirinhos e da floresta, que ingressaram no magistério na condição de professores leigos. Alguns, sem ter completado sequer as quatro primeiras séries do ensino fundamental. Outros, sem possuir, eles próprios, sequer o nível de escolaridade no qual lecionavam. Saltou-me aos olhos, em sua prática, a autoridade com que eles assumiam a função docente, a despeito de sua formação escolar incompleta ou precária, agravada pelas suas condições extremamente adversas de trabalho, em escolas palafitas, à beira-rio, ou em ranchos de palha na floresta, com turmas multisseriadas. Empenhada em entender como tal prática pedagógica se torna possível, defini como objetivo de minha pesquisa: compreender como alguém se torna professor à margem do sistema oficial de formação e credenciamento, ou seja, que dispositivos autorizam e legitimam um professor leigo a ocupar o lugar de quem ensina. Para esse fim, analisei redações (sob o título "Como me tornei professor(a)?") de dezesseis professores que começaram a lecionar na condição de leigos, nas quais eles relatam e significam a sua trajetória no magistério. Adotei como estratégia de pensamento a análise de discurso tal como formulada por Marlene Guirado: uma leitura institucional do discurso. Essa análise de discurso ocupa-se do modo como se dão, nos discursos dos sujeitos, os efeitos de reconhecimento e desconhecimento de suas práticas institucionais. Ao mesmo tempo, adotei o conceito de transferência para compreender como, na recuperação de sua trajetória profissional, os professores estabeleciam significações com a sua história pessoal, com as figuras de professores exemplares que marcaram suas vidas, com a instituição escolar e com a pedagogia moderna (prática discursiva dominante a partir da qual todo esse tecido de significações se mostrou possível nas redações). A análise dessas redações mostra que tornar-se professor é constituir, repetir, (re)produzir, de modo singular, uma prática discursiva institucional, prática que é, ela mesma, o dispositivo que autoriza o professor, inclusive o leigo, a ocupar o lugar de quem ensina. No ponto de chegada deste estudo, evidenciou-se também que esses dispositivos de autorização não são peculiares à docência leiga. Os resultados nos permitem afirmar, de modo geral, que tornar-se professor é ocupar o lugar de quem ensina, lugar este que passa a existir conforme o sujeito nele se enuncie. Finalizo a tese postulando a docência leiga como uma descontinuidade no discurso da pedagogia moderna, não obstante, paradoxalmente, ser parte dele. === This study had as a starting point the pedagogical practice of Amazonian teachers who lived on the banks of the rivers or in the forest and who started working in the condition of lay teachers. Some of them had not even completed their first four years of elementary school. Some had not themselves even reached the level of schooling they were teaching at. It caught my attention, in their practice, the authority they invested themselves with, as they took over their positions as teachers in spite of their incomplete or deficient educational background made worse by their extremely adverse conditions of working, in schools built on stilts on the banks of the river, or in straw shacks in the forest, with multi-level classes. Willing to understand how such a pedagogical practice is possible, I set as the objective of my research project to understand how someone becomes a teacher apart from the official system of schooling and certification, that is, what resources entitle and legitimate a lay teacher to occupy the teaching position. In order to achieve that objective, I analyzed compositions (under the title How did I become a teacher?), written by sixteen teachers who started working as lay teachers, in which they tell about and interpret the path they followed in their teaching careers. I drew on discourse analysis as proposed by Marlene Guirado: an institutional discourse reading. This type of analysis deals with the way the effects of recognition and ignorance take place in individual discourses, in institutional practices. At the same time I adopted the concept of transference to understand how, as they reconstructed their professional career, the teachers constructed meanings related to their personal histories, to teachers who represented key roles in their lives, to school as an institution, and to modern pedagogy (the prevailing discursive practice from where all this network of meanings was possible in the compositions). The analysis of the compositions showed that becoming a teacher means constructing, repeating, (re)producing, in a particular way, an institutional discursive practice that is in itself the resource which entitles the teacher, including the lay teacher, to take over the position of the one who teaches. At the end of the study it was also possible to assume that those resources are not restricted to lay teaching. The results allow us to state that, in general, becoming a teacher is taking over the position of the one who teaches, a position that comes to existence just as the subject expresses himself or herself within it. I conclude this dissertation arguing that lay teaching consists in a discontinuity in modern pedagogy discourse, in spite of, paradoxically, being part of it.
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