Crime e castigo: o que os arquivos do Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo têm a dizer 

No final do século XIX, a emergência do conceito de periculosidade forjou uma série de ações de controle social que ainda hoje encontram espaço fecundo de legitimação. Os desdobramentos dessa noção, que se articulou da fusão do Direito Penal com a Psiquiatria, encontram no manicômio judiciário o seu...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Uga, Daniela Alessandra
Other Authors: Schmidt, Maria Luisa Sandoval
Format: Others
Language:pt
Published: Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP 2018
Subjects:
Online Access:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-26092018-145751/
Description
Summary:No final do século XIX, a emergência do conceito de periculosidade forjou uma série de ações de controle social que ainda hoje encontram espaço fecundo de legitimação. Os desdobramentos dessa noção, que se articulou da fusão do Direito Penal com a Psiquiatria, encontram no manicômio judiciário o seu exemplo mais sólido. No Brasil, a emergência do Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo (MJES) no início da década de 1930 consolidou um ideal há muito defendido pela Criminologia Positivista. No entanto, a despeito do intenso fluxo de internações ocorridas ao longo dos anos e da imprescindibilidade que desempenhou e ainda desempenha no circuito repressivo do Estado atualmente, sua história segue opaca, inaudita e, por vezes, tão fundida à história do Hospital do Juqueri a ponto de ter o seu próprio registro tangenciado. A intenção deste trabalho consistiu em recuperar o arquivamento que se produziu sobre a loucura criminosa e analisar os discursos e as práticas empregadas pelo saber médico e jurídico para justificar a reclusão no MJES entre os anos de 1927 a 1940. Considerando que se trata de um espaço de natureza médico-jurídica que há anos sustenta a função de controle social alicerçado na justificativa de proteção contra a periculosidade, o problema de pesquisa delimitado para este trabalho se organizou em torno de algumas questões fundamentais, a saber: (1) problematizar as condições de emergência do MJES; (2) mostrar como os discursos sobre a loucura criminosa foram organizados e distribuídos no arquivo médico-legal; (3) identificar e caracterizar o sujeito da periculosidade para o qual se designou a internação manicomial durante o período referido acima; (4) analisar sob quais circunstâncias infracionais ou não a periculosidade foi utilizada como justificativa para a interdição médico-legal; (5) analisar os pressupostos técnicoscientíficos que sustentam a realização do exame médico-legal ou da chamada avaliação de cessação de periculosidade nos prontuários médicos. A escolha por documentos que registraram estas vidas infames sob a insígnia da loucura, do crime e da marginalidade abrem a possibilidade de problematizar as verdades estabelecidas pelos saberes que os redigiram. Desse modo, o mesmo registro que um dia serviu para cumprir sua finalidade disciplinar foi aqui recuperado para produzir perguntas e subverter a própria razão que uma vez justificou a sua existência === At the end of the 19th century, the rise of the dangerousness concept forged a series of actions aimed at social control legitimized by many to this day. The unfolding of this notion, articulated by the merger of Criminal Law with Psychiatry, found its best example in the legal asylum. In Brazil, the foundation of the Legal Asylum of the State of São Paulo (MJES) in the early 1930s consolidated an ideal long advocated by Positivist Criminology. Yet, despite the intense number of hospitalizations over the years and the essential role the institution has played (and still plays) in a repressive system, its history remains opaque, unprecedented, and so fused with the history of Juqueri Hospital that their records converge. The intent of this work was to recover the files about the ones considered criminals and insane and analyze the speeches and practices used by the medical and law communities to justify the reclusion of individuals in the MJES between 1927 and 1940. Considering that for years the psychiatric hospital has been a legal and medical space of social control, sustained by the assumption that it protects society against dangerousness, some fundamental issues organized this research: (1) to discuss the MJES conditions; (2) to show how the medical and legal files organized discourses about criminal insanity; (3) to identify and characterize the \"subject of dangerousness\", that is the types of people sent to the asylum during the period referred above; (4) to analyze under what circumstances dangerousness justified the medical and legal prohibition; (5) to analyze the technical-scientific assumptions that supported the forensic medical examination or the so-called \"medical termination assessment\" in the records. The decision to use documents that reported these infamous lives under the guise of madness, crime and marginality make it possible to discuss some established truths of the scientific community. Thus, the same files that once served to fulfil a disciplinary purpose here raise questions and subvert the very reason that once justified its existence