Summary: | A partir de minha experiência pregressa como artista circense, de desdobramentos do meu estudo preliminar (Bastos, 2013), das conversas informais e das entrevistas realizadas para este percurso de investigação, pude me certificar de que o sofrimento humano está presente também no universo do circo e que há uma demanda e um desejo por parte desta população por algum tipo de atenção psicológica que leve em conta as particularidades do modo de vida itinerante. Esta tese propõe que as especificidades nos modos de constituição do self da pessoa circense dizem respeito, em grande medida, à itinerância, a qual deve ser levada em conta pelo profissional que for atuar neste contexto cultural. Considerando que o modo de vida impacta em como se dá a construção das relações de confiança e na vivência da temporalidade, há necessidade de que profissionais da área se atentem para tais dimensões culturais constitutivas do self para que possa haver uma atenção psicológica adequada aos circenses. Esta é uma pesquisa qualitativa que envolveu a convivência com pessoas de dois circos itinerantes (Circo Spacial e Circo de Teatro Tubinho) e a realização de onze entrevistas que visaram elucidar as temáticas da confiança e temporalidade por serem centrais para o possível desenvolvimento de estratégias de intervenção psicológica nesse contexto cultural específico. A especificidade do modo de vida do circense aponta para possibilidades de um convívio, marcadamente itinerante, qualitativamente rico do ponto de vista do desenvolvimento humano, uma vez que é notável o estabelecimento de fortes laços comunitários capazes de superar dificuldades cotidianas, de se relacionar com a diferença e realizar projetos complexos, dinâmicos e altamente desafiadores. O estudo das temáticas da confiança e da temporalidade permitiu sofisticar a compreensão que se tem desses processos na psicologia cultural dialógica, na medida em que a itinerância e o sentido de realização do espetáculo são balizas extremamente salientes que guiam toda a vida do integrante do circo, a ponto das pessoas colocarem cotidianamente suas vidas em situação de risco na relação com os outros. Discuti a temática da confiança, que perpassa a noção de temporalidade a partir do referencial teórico da Psicologia Cultural em sua vertente semiótico-construtivista, área de estudos que aponta para a centralidade da cultura na compreensão dos processos afetivo-cognitivos do desenvolvimento humano (Simão, 2010, Valsiner, 2012). A discussão dos resultados que se deu por meio da noção de Multiplicação Dialógica (Guimarães, 2010, 2013) procurou: a) destacar as especificidades no contexto do circo itinerante que trazem implicações para a construção do self e b) investigar os processos psicológicos envolvidos na construção das relações de confiança frente à vivência da temporalidade. Para a análise dialógica dos dados, utilizei as noções de trajetórias descendentes e ascendentes (Guimarães, 2016b), que possibilitaram uma articulação entre os movimentos analítico e interpretativo e o mapeamento das antinomias relacionadas ao campo-tema (Spink, 2003) do circo. Esse estudo torna-se relevante por apontar que a vivência da itinerância traz implicações para a constituição do self e que o conhecimento de tais implicações e das especificidades deste modo de vida são fundamentais para a compreensão das vulnerabilidades psicossociais apontadas pelos circenses ao longo da pesquisa. Adicionalmente, a pesquisa pôde propiciar reflexões sobre a possibilidade de inserção de psicólogos no universo do circo itinerante. Observo que tanto a Psicologia quanto a Psicologia Cultural, enquanto campo de reflexões e pesquisa, ainda não dispõem de conhecimentos suficientes sobre o modo de vida do circo e, por essa razão, não têm desenvolvido estratégias nem instrumentos para o trabalho psicológico nesse contexto. Ao lidar com a questão da singularidade da compreensão psicológica do universo cultural do circo, esta pesquisa me permitiu chegar à noção de self itinerante, o que pode auxiliar num maior entendimento sobre o contexto apresentado === From my previous experience as a circus artist, as well as from the development of my preliminary study (Bastos, 2013), from the informal conversations and the interviews conducted for this research, I was able to certify myself that human suffering is also present in the universe of the circus. There is also a demand and a desire from the circus members for some kind of psychological attention that may take into account the particularities of the itinerant way of life. This thesis proposes that the specificities in the ways of constitution of the self of the circus person concerns, to a large extent, the itinerancy, that must be taken into account by the professional who will work in this cultural context. Taking into account that the way of life has an impact on the construction of relation of trust and the experience of temporality, there is a need for professionals in the area to attend to such constitutive cultural dimensions of the self so that there can be adequate psychological attention for circus members. This is a qualitative research that involved the conviviality with people from two traveling circuses (Circus Spacial and Circo de Teatro Tubinho). Eleven interviews were conducted in order to elucidate the themes of trust and temporality, both of central importance for the possible development of psychological intervention strategies in this specific cultural context. The specificity of the circus way of life points to the possibility of a markedly itinerant co-existence with others, qualitatively rich from the point of view of human development; it is worth mentioning that they form strong community bonds, capable of overcoming daily difficulties, relating to difference, and performing complex, dynamic, and highly challenging projects. The study of the themes of trust and temporality allowed to refine the understanding of these processes in cultural dialogical psychology. This because itinerancy and the sense of accomplishment resulting from performing the spectacle are extremely significant constrains that guide the whole life of the circus artist, to the point that people put their lives at risk in their relationship with others on a daily basis. I discussed the theme of trust that permeates the notion of temporality from the theoretical framework of Cultural Psychology in its semiotic-constructivist dimension, an area of study that points to the centrality of culture for the understanding of the affective-cognitive processes of human development (Simão, 2010, Valsiner, 2012). The discussion of the results was based on the notion of Dialogical Multiplication (Guimarães, 2010, 2013) and sought to a) highlight the specificities of the itinerant circus, which have implications on the construction of the self and b) investigate the psychological processes involved in the construction of relations of trust in experiencing temporality. For the dialogical analysis of the data, I used the notions of descending and ascending trajectories (Guimarães, 2016b), which allowed an articulation between the analytical and interpretative movements and the mapping of the antinomies related to the theme-field (Spink, 2003). This study becomes relevant for pointing out that the experience of itinerancy has implications for the constitution of the self and that knowledge of such implications and the specificities of this way of life are fundamental for understanding the psychosocial vulnerabilities pointed out by circus members throughout the research. Additionally, the research was able to provide considerations on the possibility of insertion of psychologists in the itinerant circus universe. I observed that both Psychology and Cultural Psychology, as fields of research and study, still do not have enough knowledge about the way of life of the circus and for this reason have not been developing strategies or instruments for psychological practice in this context. In dealing with the issue of the uniqueness of the psychological understanding of the cultural universe of the circus, this research allowed me to arrive at the notion of the itinerant self that can help in better understanding the presented context
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