Summary: | Nas últimas três décadas, o crescimento na demanda por biocombustíveis promoveu a expansão das culturas de cana-de-açúcar no Brasil e, consequentemente, o aumento no consumo de pesticidas. Diversas espécies de anfíbios estão sujeitas à exposição a pesticidas por ocorrerem dentro e ao redor de canaviais. Entretanto, mesmo avaliações de risco preliminares são inviabilizadas pela raridade de estudos ecotoxicológicos com espécies de anfíbios nativas. Esta dissertação propôs testar experimentalmente as hipóteses de que (1) os principais herbicidas utilizados na cultura de cana-de-açúcar no Brasil, embora desenvolvidos especificamente para o controle de ervas daninhas, são capazes de causar mortalidade em larvas de anfíbios (2) esta mortalidade se manifesta mesmo quando larvas de anfíbios são expostas a concentrações ambientalmente relevantes destes herbicidas (3) além de efeitos letais, a exposição de larvas de anfíbios a concentrações ambientalmente relevantes dos principais herbicidas utilizados na cultura da cana-de-açúcar no Brasil causa efeitos subletais em termos de crescimento, desenvolvimento, comportamento, imunocompetência, e atividade enzimática, e estes efeitos subletais podem ser importantes em influenciar o rendimento dos indivíduos. Foram utilizadas como modelo biológico larvas do leiuperídeo Physalaemus cuvieri e dos hilídeos Hypsiboas faber e Hypsiboas pardalis. As três espécies têm áreas de distribuição parcialmente coincidentes com a área de cultivo da cana-de-açúcar, sendo que as duas primeiras sabidamente ocorrem dentro de canaviais. Estas espécies foram expostas aos herbicidas glifosato, ametrina, 2,4-D, metribuzim e acetocloro, na forma de seus ingredientes ativos. Somados, estes herbicidas correspondem a ~2/3 do volume de herbicidas utilizados em importantes regiões produtoras de cana-de-açúcar; por sua vez, herbicidas constituem a maior parte dos pesticidas usados na cultura. Os experimentos de exposição aguda com P. cuvieri e H. pardalis demonstraram que todos os herbicidas testados são tóxicos a larvas de anfíbios, embora alguns deles apenas em concentrações bastante elevadas. Houve uma hierarquia relativamente clara na letalidade dos herbicidas testados (glifosato < metribuzim < ametrina < acetocloro). Uma comparação com os dados disponíveis da toxicidade dos mesmos herbicidas para outras espécies de anfíbios, e para outros animais aquáticos, sugere que as espécies testadas nesta dissertação tendem a ser relativamente robustas, e que, ao contrário de uma hipótese amplamente difundida, anfíbios não aparentam ser particularmente sensíveis a contaminantes. Os experimentos de exposição crônica procuraram simular cenários realistas de exposição ao manipular as doses mínimas (H. faber) e máximas (H. faber, H. pardalis) de aplicação recomendadas pelos fabricantes para o controle de ervas daninhas na cultura de cana-de-açúcar. Conforme esperado, um prolongamento da exposição induziu mortalidade em concentrações muito inferiores àquelas necessárias para causar efeito em exposição aguda. Glifosato, ametrina e acetocloro em doses ambientalmente relevantes induziram mortalidade significativa de larvas de anfíbios, ao menos para H. pardalis. Glifosato, 2,4-D e metribuzim retardaram significativamente o desenvolvimento de H. faber, enquanto que ametrina, testada apenas para H. pardalis, levou a uma diminuição no ganho de massa e no estágio de desenvolvimento final atingido pelas larvas. A atividade de AChE foi inibida pelo metribuzim em H. faber e estimulada pelo glifosato, ametrina e 2,4-D em H. pardalis; por sua vez, a atividade de GST, inalterada pela exposição a herbicidas em H. faber, foi estimulada pela ametrina e pelo acetocloro em H. pardalis. Nenhum composto induziu alterações significativas no perfil leucocitário. Herbicidas também tiveram efeitos comportamentais: a taxa de atividade de H. pardalis foi significativamente reduzida sob exposição à ametrina e ao acetocloro. Esta dissertação sugere portanto que a exposição a doses ambientalmente relevantes dos principais herbicidas utilizados em cultura de cana-de-açúcar no Brasil podem causar efeitos letais e subletais em larvas de espécies nativas de anfíbios. Alguns destes efeitos subletais, como uma diminuição nas taxas de atividade, de crescimento e de desenvolvimento, podem ter importantes consequências para o sucesso dos indivíduos por prolongar o período larval e assim aumentar o risco de dessecação em corpos d´água temporários e semi-permanentes. Estudos futuros devem buscar realismo adicional rumo a uma análise de risco da contaminação ambiental por herbicidas por meio de experimentos manipulando não apenas ingredientes ativos, mas também formulações comerciais, bem como interações dos contaminantes entre si e com outros estressores ambientais, calibrados por concentrações medidas em campo. === In the last three decades, the increasing demand for biofuels in Brazil favored the expansion of sugarcane and, as a consequence, an increase in the consumption of pesticides. Several species of amphibians are subject to pesticide exposure for occuring in or around sugarcane fields. However, a preliminary risk assessment of pesticide exposure is not possible due to the absolute scarcity of ecotoxicological studies with native amphibian species. This thesis proposed to test the hypotheses that (1) the main herbicides used in sugarcane crops in Brazil, although designed for weed control, cause mortality of amphibian larvae (2) this mortality manifests even when amphiban larvae are exposed to environmentally relevant herbicide concentrations (3) in addition to any lethal effects, exposure of amphibian larvae to environmentally relevant herbicide concentrations causes sublethal effects in terms of growth, development, behavior, immunocompetence, and enzimatic activity, and these effects may be important in influencing individual performance. We used as model system the leiuperid frog Physalaemus cuvieri and the hylid frogs Hypsiboas faber and Hypsiboas pardalis. The distributional ranges of these species partially overlap with the region of cultivation of sugarcane in the country, and the first two species are known to colonize waterbodies in or around sugarcane fields. These three species were exposed to glyphosate, ametryn, 2,4-D, metribuzin and acetochlor, presented as active ingredients. These herbicides account to ~2/3 of the volume of herbicides employed in an important sugarcane producing region in the country; herbicides correspond to the majority of pesticides used in this crop. Experiments of acute exposure of P. cuvieri and H. pardalis showed that all herbicides are toxic to amphibian larvae, albeit some of them only in very high doses. There was a relatively consistent ranking in lethality among the compounds (glyphosate < metribuzin < ametryn < acetochlor). A literature review suggests that the species tested tend to be relatively robust when compared to other amphibians and other freshwater animals, and that, contrary to a broadly disseminated hypothesis, amphibians do not seem to be particularly sensitive to contaminants. Experiments of chronic exposure aimed at simulating realistic scenarios of exposure by manipulating minimum (H. faber) and maximum application doses (H. faber, H. pardalis), as recommended by manufacturers for weed control in sugarcane fields. As expected, prolonged exposure induced mortality at much lower concentrations than those manipulated in the experiments of acute exposure. Environmentally relevant concentrations of glyphosate, ametryn and acetochlor induced significant mortality in larval amphibians, at least for H. pardalis. Glyphosate, 2,4-D and metribuzin significantly slowed development in H. faber, whereas ametryn slowed development and growth in H. pardalis. Herbicides also had behavioral effects: activity rates of H. pardalis were significantly reduced under exposure to ametryn and acetochlor. AChE activity was inhibited by metribuzin in H. faber but stimulated by glyphosate, ametryn and 2,4-D in H. pardalis; in turn, GST activity, which was not influenced by exposure to herbicides in H. faber, was stimulated by ametryn and acetochlor in H. pardalis. No herbicide induced significant changes in leukocyte profiles. In conclusion, this thesis suggests that exposure to environmentally relevant doses of the main herbicides employed in sugarcane fields in Brazil can cause lethal and sublethal effects on native species of larval amphibians. Some of these sublethal effects, including the decrease in activity, growth and developmental rates, may have important consequences for individual performance for extending the larval period and as such increasing the risk of dessication in temporary and semi-permanent ponds. Future studies should seek additional realism towards a risk analysis of the environmental contamination by herbicides through experiments manipulating not only active ingredients but also commercial formulations, as well as interactions among contaminants and other environmental stressors, calibrated by field-measured conditions.
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