Summary: | Quarto de Despejo, diário escrito por Carolina Maria de Jesus, foi lido e discutido em treze idiomas, dentre eles o francês. A história da mulher negra e semianalfabeta que viveu na favela do Canindé, em São Paulo, foi divulgada pela primeira vez na França em 1962 sob o título de Le Dépotoir. Publicado no Brasil em 1960, após revisão do jornalista Audálio Dantas, Quarto de Despejo, tal qual os leitores o conheceram, em muito se difere dos manuscritos da autora. Apesar de sua pouca alfabetização dois anos de escola Carolina, graças ao gosto pela leitura cultivado desde a infância, deu vida a uma obra cujas páginas revelam uma linguagem singular: aos seus erros de ortografia e sintaxe, a escritora alia um vocabulário rebuscado. Na transposição dos manuscritos ao livro publicado, Dantas substituiu quase todos os termos cultos da autora por correspondentes coloquiais no intuito de reforçar o estereótipo da favelada que escreve. Ou seja, no trabalho de edição do Quarto houve a atuação de uma ideologia que buscou influenciar o modo como o público veria Carolina e leria seu diário. Andre Lefevere, em Mother courages cucumbers : text, system and refraction in a theory of literature (1982), explica que a refração é a adaptação de uma obra literária para um público diferente, com a intenção de influenciar a forma como o público lerá a obra. Nesse sentido, a tradução é indicada pelo autor como um tipo de refração. Partindo do pressuposto de que o livro publicado no Brasil constituiu uma refração do verdadeiro texto de Carolina, e de que, segundo Lefevere, o processo de refração se manifesta na tradução, as publicações do diário caroliniano em diferentes idiomas difundiram pelo mundo uma imagem ainda mais refratada da autora e de seus escritos. Nosso objetivo é, pois, analisar o texto de Le Dépotoir a partir da noção lefeveriana de refração, a fim de mostrarmos como a imagem de Carolina e de sua vida no Canindé foram refratadas no original e, consequentemente, no diário traduzido. === Quarto de Despejo, diary written by Carolina Maria de Jesus, has been read and discussed within thirteen languages, French among them. The history of a semi-illiterate black woman who lived in the slums of Canindé, in São Paulo, was divulged for the first time in France in 1962 and entitled Le Dépotoir. Published in Brazil in 1960, after being revised by the journalist Audálio Dantas, Quarto de Despejo, just as its readers recognise it, mostly differs from the authors writings. Despite her low-rated literacy two years in school Carolina, inspired by a taste for reading since her childhood, brought life up to a piece of work in which pages unveil singular language: the writer allies laboured vocabulary to spelling and syntax mistakes. On the transposition of her writings to the publishing, Dantas substituted almost every formal terms used by the author for informal terms with a view to reinforcing the slum writing stereotype. In other words, there has been an ideological act on the edition of Quarto so as to influence the way the public would see Carolina and would read her diary. Andre Lefevere, in Mother courages cucumbers: text, system and refraction in a theory of literature (1982), explains that refraction is the adaptation of a certain literary work to a different public, so as to influence the way this public will read the book. According to that, the translation is suggested by the author as a kind of refraction. Having as an idea that the book published in Brazil is considered a refraction of Carolinas real text, and, according to Lefevere, that the refraction process is manifested in the translation, Carolinas diary publications in different languages disseminated throughout the world an even refracted image of the author and her writings. We aim to analyse the text in Le Dépotoir based on Lefeveres notions of refraction with a view to showing how Carolinas image and her life in Canindé have been refracted into the original text and consequently into the translated diary.
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