Summary: | A Formação Piauí (Carbonífero Superior), Bacia do Parnaíba, preserva uma grande quantidade de invertebrados conchíferos, distribuídos em fácies carbonáticas com diferentes histórias deposicionais. Entretanto, até o presente momento, os estudos relacionados a essa importante unidade litoestratigráfica enfocaram, principalmente, a sedimentologia da área e a taxonomia dos invertebrados. Há somente breves trabalhos de cunho tafonômico para a bacia, sendo esses essenciais para a compreensão da gênese das concentrações fossilíferas ali presentes e para análises paleobiológicas modernas. Desse modo, o intuito desse trabalho foi realizar a caracterização bioestratinômica das concentrações de bioclastos da fácies Esperança, objetivando interpretar a sua gênese. O Calcário Esperança foi dividido em 7 pontos de coleta, de modo a abranger toda a porção aflorante. Três unidades microestratigráficas sobrepostas foram estabelecidas. A fauna de tais unidades é dominada por braquiópodes, com ocorrência subsidiária de bivalves, briozoários e vegetais. Os fósseis estão, predominantemente, bem preservados e representados por moldes e contra-moldes externos. As unidades estudadas diferem umas das outras em suas composições taxonômicas e ecológicas, em seus padrões tafonômicos e nas distribuições de freqüência de tamanho das guildas que as compõe. A análise dessas unidades auxilia na elucidação da historiografia do registro da fácies carbonática Esperança. Os bioclastos acumuladosnas três unidades supracitadas não foram significantemente afetados por processos bioestratinômicos biológicos, tais como incrustação e bioerosão. Porém, esses foram moderadamente alterados por processos mecânicos, tal como desarticulação. Além disso, pôde-se observar que as valvas ventrais predominam entre os restos esqueléticos presentes nas acumulações de braquiópodes. Contudo, um desvio significativo na proporção 50:50 não foi observado entre as valvas direita e esquerda, preservadas em concentrações onde bivalves predominam. A história deposicional dessa fácies iniciou-se com a unidade 1. Essa é representada por um pacote dolomítico afossilífero, com dois pavimentos do braquiópode inarticulado Orbiculoidea intercalados. As características bioestratinômicas dos fósseis dessa unidade (e.g., presença de bioclastos com a convexidade para cima e para baixo, em relação aos estratos, com porcentagens muito semelhantes; proporção de valvas opostas próxima a 50:50; ausência de seleção de tamanho) sugerem que seu transporte não foi significativo e que a energia do ambiente de deposição dessa unidade foi baixa. Ademais, a baixa diversidade faunística sugere que a unidade em questão tenha sido depositada sob condições físicas estressantes. Características sedimentológicas e diagenéticas, bem como as análises de microfácies realizadas apontam para condições deposicionais disaeróbicas, as quais parecem estar associadas a um ambiente marinho proximal, porém com circulação de água restrita. As características tafonômicas são compatíveis com essa interpretação. O estudo tafonômico dessa unidade do Calcário Esperança permitiu, ainda, a elucidação de aspectos da paleoecologia dos representantes do gênero predominante nessa unidade, qual seja, as Orbiculoidea. Esses organismos são uma das criaturas mais enigmáticas do Paleozóico e a grande maioria dos trabalhos a eles relacionados trata apenas da taxonomia do gênero. Características tafonômicas, morfológicas, sedimentológicas e dados obtidos na literatura indicam que esses braquiópodes inarticulados foram organismos epifaunais e pedunculados, vivendo fixos diretamente no substrato ou em restos esqueléticos presentes no fundo marinho. Esses devem ter sido organismos fisiologicamente generalistas e oportunistas, podendo habitar locais fisicamente estressantes. Por fim, é possível afirmar que apresentaram uma ampla tolerância batimétrica durante o Paleozóico, apesar de terem habitado, preferencialmente, ambientes de baixa energia, os quais estão freqüentemente associados com sedimentos finos. Em seguida, ocorreu a deposição da unidade 2. Essa unidade é representada por um dolomito cinza claro, com fósseis dispersos na matriz sedimentar. Há, ainda, cinco pavimentos constituídos por braquiópodes articulados intercalados. As assinaturas tafonômicas dos bioclastos (e.g., predominância de espécimes desarticulados e de valvas ventrais em detrimento devalvas dorsais) e a biofábrica (e.g., elevada porcentagem de espécimes na posição hidrodinâmica estável) sugerem que essa unidade represente um tempestito distal, depositado logo acima do nível de base de onda de tempestade. Os grupos ecológicos presentes apontam para o mesmo ambiente deposicional inferido a partir das características tafonômicas. Além disso, as características paleoautoecológicas dos organismos preservados nessa unidade (e.g., presença de um grande sulco mediano nos estrofomenídeos e de asas nos espiriferídeos) são sugestivas de um paleoambiente de águas calmas e com substrato mole. Por fim, ocorreu a deposição da unidade 3. Tal unidade é constituída, predominantemente, por espécimes de bivalves articulados e preservados em posição de vida. Essas características são indícios de que a unidade em questão também represente um tempestito distal, porém depositado abaixo do nível de base de onda de tempestade. A abundância de detritívoros na fauna dessa unidade, representados pelo gênero Solemya, sugere, ainda, a ocorrência de águas calmas e de substrato lamoso, rico em matéria orgânica, durante o período de deposição da referida unidade. No que se refere ao intervalo de tempo compreendido pelas concentrações fossilíferas preservadas, critérios tafonômicos, ecológicos, sedimentológicos e atualísticos sugerem a ocorrência de mistura temporal da ordem de centenas de anos. As informações obtidas a partir do estudo das três unidades preservadas no Calcário Esperança sugerem que o ambiente de deposição dessa fácies carbonática tornou-se gradativamente mais profundo ao longo do tempo. Esse parece ter sido o principal fator responsável pela variação faunística observada entre as unidades. Os resultados obtidos reiteram a importância da tafonomia e da paleoecologia como ferramenta imprescindível na reconstrução de mudanças ambientais e da dinâmica deposicional do passado. === The Piauí Formation (Upper Carconiferous), of the Parnaíba Basin, preserves a rich and diversified invertebrate fauna, distributed in carbonate facies of varying depositional histories. Until now, studies related to this important lithostratigraphic unit focused mainy on the sedimentology of the area and the taxonomy of the invertebrates. There are only brief taphonomic works about this basin, and they are essential to understand the genesis of any fossil concentrations present and for modern paleobiological analysis. The purpose of this work is to produce a biostratinomic characterization of the bioclast concentrations from the Esperança facies, and to interpret its genesis. The \"Esperança Limestone\" was sampled at seven locations in the quarry, selected to represent all exposure portion. Three microstratigraphic units were recognized. The fauna is mostly Brachiopoda, along with Bivalvia, with minor occurrences of Bryzoa and Plantae. Most fossils are well preserved and represented by molds and casts. The three units differ from one another in taxonomic and ecological compositions, taphonomic patterns and in size frequency distributions of the guilds that are present. Detailed biostratinomic reconstruction of these useful insights into the depositional history of the Esperança limestone facies. Accumulation of bioclasts in the three units was not significantly affected by biological biostratinomic processes, such as encrustation and bioerosion. These, however, were moderately altered by mechanical processes like disarticulation. It could also be observed that the ventral valves dominate among skeletal remains in brachiopods accumulations. Nevertheless, there was no significant deviation from the 50:50 ratio of opposing valves in bivalves concentrations. The depositional history of the \"Esperança Limestone\" began with unit 1, a dolomite unfossiliferous except for two pavements of the inarticulate brachiopod Orbiculoidea. Biostratinomic features of the fossils from that unit (e.g., similar proportion of convex-up and convex-down specimens; ratio of opposite valves close to 50:50; lack of size selection) suggest that the transport was not significant and that the energy of the depositional environment of this unit was low. Moreover, the low faunal diversity suggests that the unit in subject has been deposited inder physical stressful conditions. Sedimentological and diagenetics features, as well as the analyses of microfacies point for dysaerobic depositional conditions, which seem to be associated to a proximal marine environment, with restricted circulation of water. The taphonomic features observed are compatible with that interpretation. In addition, the study of unit 1 of the \"Esperança Limestone\" allows an elucidation of the paleoecology of its most common taxa, Orbiculoidea. These inarticulate brachiopods are one of the most enigmatic creatures of the Paleozoic. The overwhelming majority of the works related to them treat only the taxonomy of the gender. Taphonomic, morphologic, sedimentological features and data from the literature indicate that they were epifaunal and pedunculated organisms. They were fixed directly to the substratum or to skeletal remains on the ocean floor. They could have been physiological gerenalists abd opportunists and probably inhabited physically stressed places. Finally, they had a wide bathymetric tolerance. However, they preferentially inhabited low energy environments, which are frequently associated with fine, argillaceous sediments. The subsequent deposition of the unit 2 is represented by a clean grey dolomite, with fossils dispersed throughout the matrix. There are five inserted pavements of articulate brachiopods. The taphonomic signatures of the bioclasts (e.g., predominance of disarticulates specimens and greater proportion of ventral valves) and the biofabric (e.g., high percentage of specimens in a hydrodynamically stable position) suggest that it is a distal tempestite, deposited soon above the level of storm wave base. The ecological groups present point to the same depositional environment inferred from the taphonomic features. Furthermore, paleoautoecology characteristics of the organisms of that unit (e.g., presence of a big medium sulcus in the productids and of large wings in the spiriferids) suggest an environment of calm waters and soft substratum. Finally, unit 3 represents the final part of the depositional history recorded in the \"Esperança Limestone\". This unit consists, predominantly, of the articulated specimens, preserved in life position. Such characteristics indicate another unit which represents a distal tempestite, even so deposited below the level of storm wave base. The abundance of deposit-feeding organisms in the fauna of that unit, represented by the gender Solemya, also suggests the occurrence of calm waters and of a mud substratum, rich in organic matter, during the deposition of this unit. The taphonomic, ecologic and sedimentological analysis and, also, actualistic studies related to brachiopods suggest that the preserved concentrations are time-averaged, in order of hundreds of years. Informations obtained from the study of the three units of \"Esperança Limestone\" indicate that the depositional environment became gradually deeper with time, and it seems to have been the main factor responsible for faunal variations amongst the units. The results reiterate the importance of the taphonomy and paleoecology as tools of reconstruction of environments and environmental changes of the past and of the depositional dynamics.
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