Summary: | O trabalho sexual constitui um fenómeno complexo e engloba diversos contextos,
práticas e atores. O atual modelo legislativo corresponde a um vazio legal, onde se ignora a
existência da atividade e se negam direitos e poder reivindicativo aos seus profissionais,
excluindo-os da esfera social e privando-os do exercício da cidadania. O envolvimento no
trabalho sexual acarreta violência e estigma para os seus profissionais, assentes em
conceções morais da sexualidade, e condiciona o seu acesso a serviços públicos, como o
sistema de Justiça. Dada a escassez de investigação sobre esta temática, o presente estudo
visou analisar e compreender as interações de profissionais do sexo com os agentes
policiais, através das suas próprias perceções sobre temas como a legislação inerente ao
trabalho sexual, e a intervenção das forças policiais junto dos/as trabalhadores/as do sexo.
Para tal, utilizou-se uma metodologia qualitativa, assente em oito entrevistas
semiestruturadas (quatro profissionais do sexo e quatro agentes de autoridade), as quais
foram sujeitas a Análise Temática.
Os resultados sugerem o reconhecimento da complexidade do trabalho sexual, pela
variedade de contextos, atores e motivações associadas. Os agentes de autoridade
percecionam-no, quer como um trabalho, quer uma forma de exploração, e desaprovam mais
as mulheres do que os homens que o exercem. O trabalho sexual é descrito como altamente
estigmatizado, e associado à violência, por parte quer do público, quer das próprias
autoridades policiais. Todos os entrevistados vêm o atual enquadramento legal como
desadequado e a sua regulamentação desejável por combater a violência e a exploração, e
por constituir um direito e um dever dos profissionais que o exercem. Apesar dos agentes
das forças policiais entrevistados percecionarem a sua intervenção como adequada e
uniforme, vários participantes relatam a existência de atitudes discriminatórias nas
interações, corroborando a influência das conceções pessoais nas suas intervenções. Os
agentes de autoridade referem ainda a falta de formação específica para a intervenção com
profissionais do sexo. Assim, entre as implicações práticas do estudo, salienta-se a
necessidade de formação específica das forças policiais para as especificidades dos/as
profissionais do sexo, visando a promoção de uma intervenção mais informada e adequada.
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