Summary: | É nosso propósito, neste trabalho doutoral, ler a obra da poetisa portuguesa contemporânea Adília Lopes (Lisboa, 1960), a partir de uma perspetiva ginocrítica, suportada pelos Estudos de Género, e mais particularmente Feministas, refletindo, simultânea e consequentemente, sobre as questões levantadas pela escrita de mulheres, assim como apresentar uma leitura inserida num quadro de transcriação tradutológica.
O projeto literário Adília Lopes raramente surge associado a um pensamento feminista ou politicamente interventivo. O presente estudo tem por objetivo principal sublinhar, precisamente, as relações entre a componente intervencionista e de luta do feminismo e o empenho da artista/cidadã na construção uma sociedade igualitária. Aceitando a perspetiva ginocrítica -na esteira de Elaine Showalter, Hélène Cixous ou Anna Klobucka- como modelo interpretativo que tem por objeto a mulher enquanto produtora de significado textual e, simultaneamente, como paradigma científico e académico, a primeira parte do nosso trabalho atenta na construção da autora de poesia, a poetisa, através do uso da pseudonímia feminina e da figura da autobiografia, concluindo da sua eficácia enquanto ato de resistência e denúncia dos jogos de autoridade e poder, baseados na dicotomia feminino / masculino.
Neste situar do sujeito escritora em contexto, abordam-se as representações do corpo na idade pós-moderna na qual inscrevemos a nossa autora. Desta forma, destacamos o modo como se entrelaça, de forma complexa, a urdidura do pensamento feminista e pós-feminista com a conceção pós-modernista da história, da sociedade e do homem. Considerando a escrita adiliana um produto do seu tempo, estabelecemos as ligações da poesia de Lopes ao marco tipológico representado pelo pós-modernismo. Contudo, antes de procedermos à ilustração e à análise da forma como as coordenadas deste movimento se consubstanciam na obra adiliana, examinamos as grandes etapas do percurso histórico deste conceito periodológico. Neste sentido, damos especial destaque à sua perigosa ligação com os feminismos que entendemos plurais e diversos.
Num segundo momento do nosso estudo, atentamos nas linhas de força da escrita de Adília Lopes, reveladas pela ferramenta intertextual e pelo seu diálogo incessante e peculiar com o mundo. Inscrevemos as histórias de Adília e Maria José nas narrativas feministas, destacando a politização da sua escrita, oriunda de uma personalização identitária que age como uma âncora que a localiza no seu corpo, na sua rua, na cidade, no país, no mundo. Vemos, por fim, de que forma a excessiva pessoalização do sujeito poético adiliano torna a sua escrita impessoal, no sentido dado por Roberto Esposito, a partir da reflexão da filósofa Simone Weil. A terceira pessoa, o terceiro corpo que emerge desta desagregação pessoal, celebra a comunhão cristã e redentora de Adília Lopes com o mundo dos homens.
Na última parte deste trabalho académico, e propondo uma outra forma de leitura, apresentamos a tradução para castelhano do Clube da Poetisa Morta, publicado em 1997. Na perspetiva hermenêutico-tradutológica adotada, a tradução do texto literário apresenta-se sempre como uma re-visão criativa do texto original e um desvelamento ou uma instauração de novos horizontes de sentido. A tradutora assentará o seu plano de tradução no conceito de “projeto menorizante”, segundo o formato proposto por Lawrence Venuti, e privilegiará o “écart” (desvio) em detrimento da diferença textual, comungando assim com a reflexão filosófica de François Jullien a propósito do desvio e da diferença. O livro selecionado anuncia, desde o título, várias linhas de leitura presentes na obra adiliana, sejam a ironia iconoclasta, a temática da morte (figurada e literal), a miséria humana, motivo fundamental na poesia impessoal da autora, passando pelas referências à cultura popular, à religião católica e a culturemas específicos que fazem deste conjunto poemático um exemplo da escrita distintiva da poetisa portuguesa. === This dissertation aims to read the poetry of the Portuguese author Adília Lopes (Lisbon, 1960) from a gynocritical perspective rooted in Gender Studies and more precisely Women’s Studies. It analyzes questions raised by women’s writing and, as a different form of reading, offering a recreation based on translation.
At her début, Adília Lopes was only published by marginal editors and was labeled as an eccentric author whose writing could not be thought as poetry. In spite of the belated interest, the author is now recognized by scholars and renown editors, such as Assírio & Alvim. Nevertheless, the literary project named Adília Lopes was not often associated with a feminist or even political thought. For this reason, this study intends to reveal that Lopes’ poetry postulates a third way, a third body personified in writing and which resists the classifications and the impositions of a cruel, unequal, and profoundly individualistic society. Through her impersonal stylistic mode, the author’s poetry inscribes itself within both the necessary revision of past models and a new textual perspective. Reading the Adilian canon in the light of a gynocritical paradigm which fixes woman as a subject, rather than as a mere object, we find the foundations and processes that construct the feminine and the masculine in the poetic tissue, as they are represented in Lopes’ poetry, in the author’s ironic handling of stereotypes and clichés. Considering the close relation between this theoretical framework and new approaches to the postmodern lyric subject, this thesis also investigates the fabrication of a textual identity for a lyrical self, understood as the construction of the woman who writes poetry, that is, the composition of the poetess. The final part of the thesis proposes another reading practice promotted by the exercise in translating Adília Lopes’ book Clube da Poetisa Morta (“Dead poetess society”) into Spanish. With this purpose, the study reflects on translation as an intercultural, interpersonal and “inter-authorial” act. It focuses, thus, on some generic aspects about translation and, specifically, the translation of poetry. The woman translator that consciously undertakes the role of translator privileges a “minoritizing project” as defined by Venuti and centers on the notion of “écart” (deviation) to the detriment of the textual difference.
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