Summary: | Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro === A presente tese se propõe descrever e analisar as relações interpessoais entre mulheres, homens e profissionais das áreas do direito, psicologia e serviço social envolvidos na institucionalização da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha (LMP), que rege hoje no Brasil os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Inicialmente é apresentada
uma concisa contextualização da LMP e do campo de debate em que se insere, além das principais mudanças introduzidas por ela em relação às antigas políticas. As controvérsias que a lei vem levantando e as modificações sofridas em pouco tempo de existência, apontam para as dificuldades em se estabelecer um consenso por parte dos operadores e formuladores da lei quanto à percepção da violência doméstica e familiar contra a mulher como um crime e quanto a sua justa punição. Não só os operadores, mas as feministas também se envolveram em
controvérsias teóricas em torno da distinção entre as definições de violência contra a mulher e de crime de violência contra a mulher. O esforço de se avançar na análise dessas categorias se justifica pelas dificuldades e impasses que se observam nas práticas institucionais na implementação da LMP. Essas práticas são descritas e analisadas a partir da incursão etnográfica
em dois campos. No Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher participei de encontros de um grupo de reflexão para homens autores de violência, assisti audiências, entrevistei profissionais e dezoito homens envolvidos com a LMP. Os sentidos em disputa que os vários atores sociais constroem relativos aos conflitos violentos da intimidade ali julgados e suas
relações com o exercício da(s) masculinidade(s) são discutidos. As informações do outro campo, um Centro de Referência da Mulher, provêm das observações de cenas do cotidiano institucional, do acompanhamento de atendimentos às usuárias, da participação em grupos de reflexão para as mulheres vítimas de violência e de entrevistas com duas profissionais e dezessete mulheres. É enfatizado o caráter de intervenção pedagógica das instituições que objetivam promover mudanças em caracteres considerados como de gênero de homens (a agressividade) e mulheres (a passividade) que estariam influenciando o engendramento e manutenção das violências. Nas entrevistas é ressaltado o que ecoa, corrobora, complementa, destoa ou mesmo mostra novos ângulos do que é apreendido nos grupos (confronto entre os sentidos da violência e suas relações
com o que é ser homem e o que é ser mulher) e nas audiências (tendência à vitimização e à relativização dos papéis de vítima e acusado). Independente dos embates e controvérsias suscitadas, pode-se afirmar que a violência contra a mulher ingressou no mundo da lei nacional trazendo com sua institucionalização uma intensa circulação de diferentes sentidos, lógicas e moralidades que (re)modelam convenções sobre as relações de gêneros e sua influência sobre a citada violência. === This paper is designed to describe and analyze the interpersonal relationships among women, men and professionals in the fields of law, psychology and social service involved in the institutionalization of Law 11.340/06. Also known as the Maria da Penha Law (MPL), it currently governs in Brazil crimes of domestic violence against women. First, the paper presents a concise contextualization of the LMP and the field of debate in which it operates, besides the main changes introduced by the law in relation to the previous policy. The controversies the law has been raising and the modifications it underwent in a short period of existence bring obstacles to establish a consensus among operators and law makers in regards to the perception of domestic and family violence against women as a crime as well as their just punishment. Not only operators, but feminists were also involved in theoretical controversies surrounding the distinction between the definition of "violence against women" and "crime of violence against women." The effort to advance in the analysis of these categories is justified by the difficulties
and dilemmas observed in institutional practices during the implementation of MPL. These practices are described and analyzed from the ethnographic incursion into two fields. In the Court of Domestic and Familiar Violence against Women, I attended meetings of a reflection group for men who commit violence, I watched hearings, and I interviewed professionals and eighteen men involved with MPL. This research discusses the senses in dispute that the various social actors construct concerning violent conflicts of the intimacy there judged, and their relations with the exercise of masculinity. Information collected from the other field, a Reference Center for Women, come from observations of everyday institutional scenes, from the follow up with female user of the Reference Center, and from participation in reflection groups for women victims of violence, besides interviews with two professionals and seventeen women. This paper emphasizes the character of pedagogical intervention of the institutions that aim to promote
changes in characteristics considered typical of males (aggressiveness) and females (passive) that would be influencing the engendering and maintenance of violence. In the interviews it is emphasized what echoes, corroborates, complements, distunes or even shows new angles of what
is comprehended in the groups (confrontation between the senses of violence and its relations with what means to be a man or to be a women) and in the hearings (tendency to victimization and relativization of the roles of the victim and the assaulter). Regardless the conflicts and controversies that are raised, it can be concluded that "violence against women" entered the world of national law with its institutionalization bringing an intense circulation of different meanings, logic and morals that are shaping and reshaping conventions on gender relations and its influence on the above-mentioned violence.
Keywords: Maria da Penha Law. Violence against women. Reflection group of men perpetrators of violence. Reflection group of women victims of violence.
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