Summary: | A deficiência da desidrogenase de acilas-CoA de cadeia média (MCAD) é um defeito da oxidação de ácidos graxos (DOAG) bioquimicamente caracterizada pelo acúmulo de acilcarnitinas de cadeia média (MCAC) em tecidos e líquidos biológicos de indivíduos afetados. Clinicamente os pacientes apresentam sintomas neurológicos como letargia e coma, geralmente desencadeados por episódios de descompensação metabólica. Outros distúrbios importantes entre os DOAG são as deficiências da proteína trifuncional mitocondrial (MTPD) e da desidrogenase de 3-hidroxiacilas-CoA de cadeia longa (LCHADD) que são caracterizadas pelo acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa e seus derivados 3- hidroxilados (LCHFA). Geralmente, os pacientes afetados apresentam disfunção cardíaca e hepática podendo também apresentar sinais de comprometimento neurológico. Até o momento, a hipoglicemia e a toxicidade dos ácidos graxos acumulados têm sido relacionados com a fisiopatologia dessas doenças, embora os mecanismos responsáveis pelo dano tecidual não são bem conhecidos. Assim, foram investigados os efeitos dos MCAC e LCHFA sobre importantes parâmetros da função redox e homeostase energética mitocondrial em cérebro e coração de ratos, bem como a produção de superóxido e morte celular em culturas de fibroblastos da pele de pacientes afetados por essas doenças. Primeiramente, observamos que as MCAC induzem dano oxidativo lipídico e proteico, além de reduzir as defesas antioxidantes não enzimáticas em cérebro de ratos, provavelmente através da indução de radicais hidroxil e peroxil. Além disso, evidenciamos aumento dos níveis de superóxido e de morte celular em fibroblastos de pacientes afetados pela MTPD em condições padrão de cultivo indicando uma exposição crônica a níveis mais elevados de superóxido e uma vulnerabilidade à morte celular. Fibroblastos de pacientes afetados pelas MTPD e MCADD também apresentaram aumento dos níveis de superóxido quando cultivadas em condições de estresse metabólico, contudo não houve aumento de morte celular. Finalmente, a morte celular foi mais pronunciada em fibroblastos afetados pela MTPD em comparação com pacientes afetados pela MCADD, além de apresentar uma forte correlação com a produção de superóxido, sugerindo que esses eventos são provavelmente associados. Por outro lado, observamos que LCHFA prejudicam a homeostase energética em mitocôndrias de coração devido a um efeito desacoplador da fosforilação oxidativa evidenciado pelo aumento do estado 4 da respiração e diminuição da razão de controle respiratório, pela redução do potencial de membrana, do conteúdo de NAD(P)H e da produção de H2O2. O ácido 3- hidroxitetradecanóico (3 HTA) também induziu inchaço mitocondrial provavelmente como consequência da abertura do poro de transição de permeabilidade mitocondrial (mPTP) uma vez que a ciclosporina A (CsA), um inibidor clássico da abertura do poro, impediu esse efeito em mitocôndrias cardíacas carregadas com Ca2+. LCHFA também dissipadaram o potencial de membrana, diminuíram o coneúdo de NAD(P)H e de ATP na presença ou ausência de Ca2+ em mitocondriais de córtex cerebral. Além disso, na presença de Ca2+, 3 HTA induziu inchamento mitocondrial e liberação de citocromo c, que ativa rotas apoptóticas. 3 HTA também afetou a homeostase de Ca2+ evidenciado por uma reduzida capacidade de retenção de Ca2+ pela mitocôndria e induziu a produção de H2O2 na presença de Ca2+. Essas alterações foram prevenidas pelo vermelho de rutênio (RR), um bloqueador da captação mitocondrial de Ca2+, e por CsA mais ADP, inibidores da abertura do mPTP, o que implica o seu envolvimento nesses efeitos. Em contraste, LCHFA não causaram dano oxidativo nem alteraram as defesas antioxidantes em coração de ratos jovens. Em conjunto, nós demonstramos que MCAC e LCHFA que se acumulam em pacientes afetados pelas deficiências da MCAD e MTP/LCHAD, respectivamente, são potencialmente tóxicos para as funções mitocondriais essenciais em cérebro e coração de ratos. Além disso, demonstramos que fibroblastos de pacientes com MTPD cultivados em condições padrão estão sob estresse oxidativo, que é acentuado quando os fibroblastos são submetidos a condições de estresse metabólico. Presume-se que esses mecanismos fisiopatológicos podem ser responsáveis, pelo menos em parte, pelo dano tecidual característico desses pacientes. === The medium chain acyl-CoA dehydrogenase (MCAD) deficiency is a fatty acid oxidation disorder (FAOD) biochemically characterized by accumulation of medium-chain acylcarnitines (MCAC) in tissues and biological fluids of affected individuals. The clinical presentation includes neurological symptoms as lethargy and coma, generally followed by episodes of metabolic decompensation. Other important FAOD are the mitochondrial trifunctional protein (MTPD) and the long-chain 3- hydroxyacyl-CoA dehydrogenase (LCHADD) deficiencies that are characterized by accumulation of long-chain fatty acids and their 3-hydroxylated (LCHFA) derivatives. Usually, affected patients present cardiac and hepatic dysfunction and may present signs of neurological impairment. So far, hypoglycemia and the toxicity of accumulating fatty acids have been related with the pathophysiology in these disorders, although the mechanisms responsible for tissue damage are poorly known. Thus, we investigated the effects of MCAC and LCHFA on important parameters of mitochondrial redox and energetic homeostasis in brain and heart of rats, as well as superoxide production and cell death in skin fibroblasts from patients affected by these diseases. First, we observed that MCAC induced lipid and protein oxidative damage, and reduced the antioxidant non-enzymatic defenses in rat brain, probably through induction of hydroxyl and peroxyl radicals. Furthermore, we evidenced increased superoxide levels and cell death in skin fibroblasts from MTP deficient patients under standard growing conditions indicating a chronic exposure to higher superoxide levels and a vulnerability to cell death. In addition, cells from MCADD and MTPD patients cultured under metabolic stress conditions presented increased levels of superoxide, although cell death was not increased. Finally, cell death was more pronounced in fibroblasts from MTP compared to MCAD deficient patients, and presented a strong correlation with superoxide production, suggesting that these events are probably associated. On the other hand, we observed that LCHFA provoked an impairment of heart mitochondrial energetic homeostasis, by behaving as uncouplers of oxidative phosphorylation, evidenced by increase of state 4 respiration and decrease of the respiratory control ratio, by reducing the membrane potential, the NAD(P)H content and H2O2 production. 3-Hydroxytetradecanoic acid (3 HTA) also induced mitochondrial swelling probably as a consequence of the mitochondrial permeability transition pore (mPTP) opening once cyclosporin A (CsA), a classical inhibitor, prevented this effect in heart mitochondria loaded with Ca2+. LCHFA also dissipated membrane potential, diminished NAD(P)H content and decreased ATP content in the presence or absence of Ca2+ in cerebral cortex mitochondrial preparations. Moreover, 3 HTA induced mitochondrial swelling and cytochrome c release in the presence of Ca2+, which activates apoptotic cascades. 3 HTA also affected Ca2+ homeostasis evidenced by a diminished mitochondrial Ca2+ retention capacity and induced hydrogen peroxide production in the presence of Ca2+. These alterations where prevented by ruthenium red (RR), a blocker of mitochondrial Ca2+ uptake, and by CsA plus ADP, inhibitors of the mPTP, implying its involvement in these effects. In contrast, LCHFA did not cause oxidative damage nor altered the antioxidant defenses in heart of young rats. Taken together, we demonstrated that MCAC and LCHFA found accumulated in patients affected by MCAD and MTP/LCHAD deficiencies, respectively, are potentially toxic to essential mitochondrial functions in rat brain and heart. We also found that fibroblasts from MTP deficient patients cultured under basal growing conditions are under oxidative stress that is accentuated when cultured metabolic stress conditions are used. It is presumed that these pathomechanisms may be responsible, at least in part, for the tissue damage characteristic of these patients.
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