Summary: | Este estudo trata de uma experiência de formação com as visitadoras da equipe do Programa Primeira Infância Melhor (PIM) de um município do interior do Rio Grande do Sul. O PIM consiste em uma política pública estadual, de caráter intersetorial, que visa à promoção integral do desenvolvimento infantil por meio do acompanhamento de famílias com gestantes e crianças de zero a seis anos de idade, através de visitas domiciliares planejadas a partir da metodologia proposta pelo programa. Acompanhando os processos de trabalho do PIM desde o lugar da gestão das políticas públicas de saúde, somos instigados pela dificuldade das visitadoras em atender as famílias com bebês. Diante disso, indagamo-nos em que medida e de que modo as instâncias de gestão em saúde se relacionam com o saber-fazer que opera nas práticas de cuidado na atenção à primeira infância. Assim, guiados por fundamentos psicanalíticos, tecemos um plano de encontros de formação, cujos delineamentos foram sofrendo transformações ao longo do percurso, de modo que nosso método constituiu-se por tropeços e desvios. Os encontros buscaram dar lugar aos dizeres das visitadoras, apostando na circulação da palavra como potência de (trans)formação. A escrita desta experiência desenrolou-se, assim, em uma composição narrativa que teve como articulador central as narrativas das visitadoras, apreciadas através das lentes teóricas da psicanálise – essencialmente Freud e Lacan – e da saúde coletiva, com um toque especial de poesia. As visitadoras, em suas andanças, evidenciam os desencontros entre a letra da lei – o texto normativo das políticas públicas – e o trabalho vivo no cotidiano, no encontro com a “vida que não cabe no papel”. Disso decorre a impossibilidade de uma transposição direta da metodologia do programa para o atendimento das famílias no território. Avançando nesta direção, foi possível notar que, quando a atividade programada para o atendimento da família falha em relação ao enquadre preconizado pelas normativas do PIM, abre-se uma fresta para emergir outra cena, marcada pelo laço transferencial estabelecido entre visitador e família. Nesse contexto em que a técnica e a metodologia prescrita mostram-se insuficientes, o visitador precisa engajar-se na invenção de outros caminhos para sua atuação, o que lhe convoca a constituir uma posição implicada no encontro com estes sujeitos. Esta implicação parece enlaçar-se ao campo da ética, na medida em que permite um afastamento dos posicionamentos morais e a sustentação de algo do enigma e do desejo. Na formação, destaca-se a habilidade das visitadoras para a arte de contar histórias, através da qual se torna possível dar contornos aos impasses decorrentes do seu fazer no PIM. Esta arte de dizer é sinalizadora de uma nova discursividade, cujos traços peculiares reverberam no seu processo formativo, abrindo margens para que uma transmissão possa operar. Reconhecidas no lugar de narradoras, as visitadoras dão potência às vidas que contam, legitimando-as naquilo que elas podem ser. Através da escuta em transferência, seus dizeres ressoam po-eticamente. Nesta perspectiva, a arte de contar histórias constitui-se como operador de passagem que faz iluminar-se, por entre os ditos instituídos, a po-ética de um dizer. === This study deals with a formation experience with the visitadoras of the team of Programa Primeira Infância Melhor (Better Early Childhood Program – PIM) of a municipality in the interior of Rio Grande do Sul. PIM consists of a state public policy, with intersectoral character, that seeks the integral promotion of infantile development through the monitoring of families with pregnant women and children from zero to six years of age, through home visits planned from the methodology proposed by the program. Accompanying the PIM's work processes from the place of the management of public health policies, we are instigated by the difficulty of the visitadoras in assisting families with babies. In view of this, we ask ourselves in what extent and what way the instances in health management relate to the know-how that operates in the care practices in early childhood care. Thus, guided by psychoanalytical fundamentals, we wove a plan of formation meetings, whose guidelines were undergoing transformations along the course, so our method consisted of stumbles and deviations The meetings sought to give place to the saying of visitadoras, betting on the movement of word as power of (trans)formation. The writing of this experience took place, thus, in a narrative composition that had as central articulator the narratives of the visitadoras, appreciated through theoretical lenses of psychoanalysis – essentially Freud and Lacan – and collective health, with a special touch of poetry. The visitadoras, in their wanderings, highlights the disagreements among the letter of the law – the normative text of public policies – and the work alive in daily life, in the encounter with the “life that doesn’t fit in paper”. For this, results the impossibility of a direct transposition of the program’s methodology for the care of families in the territory. Moving forward in this direction, it was possible to notice that, when the scheduled activity for family fails in relation to frame recommend by the normative of PIM, opens a crack to emerge another scene, marked by the transferential bond established between visitator and family. In this context in which the prescribed technique and methodology are shown insufficient, the visitator needs to engage in the invention of other paths for his work, what summons him/her to constitute a position implied in the encounter with these subjects. This implication seems to get entwined to the field of ethics, insofar as it allows a removal from moral postures and the support of something of the enigma and desire. In the formation, is highlighted the ability of visitadoras to the art of storytelling, through which it turns possible give outlines to the impasses arising from their doing in PIM. This art of saying is a sign of a new discursiveness, whose peculiar traits reverberate in its formative process, opening margins for a transmission can operate. Recognized in the place of narrators, the visitadoras give potency to the lives that count, legitimating them in that they can be. Through the listening in transference, their sayings resonate po-etically. In this perspective, the art of storytelling constitutes itself as a passage operator that makes illuminate, among the established sayings, the po-etics of a saying.
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