Homocistinúria clássica no Brasil : um estudo clínico e genético com foco na investigação da relação entre composição corporal e metabolismo lipídico em pacientes tratados

Introdução: A homocistinúria clássica (HCU) é uma doença genética causada pela atividade deficiente da enzima cistationina β-sintase (CβS). Bioquimicamente, é caracterizada por distúrbios no metabolismo dos aminoácidos sulfurados (SAA), com elevação plasmática de homocisteína e metionina e redução d...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: Poloni, Soraia
Other Authors: Schwartz, Ida Vanessa Doederlein
Format: Others
Language:Portuguese
Published: 2017
Subjects:
Online Access:http://hdl.handle.net/10183/150704
Description
Summary:Introdução: A homocistinúria clássica (HCU) é uma doença genética causada pela atividade deficiente da enzima cistationina β-sintase (CβS). Bioquimicamente, é caracterizada por distúrbios no metabolismo dos aminoácidos sulfurados (SAA), com elevação plasmática de homocisteína e metionina e redução de cistationina e cisteína. Clinicamente afeta principalmente os sistemas ocular, vascular, nervoso central e ósseo. O tratamento inclui dieta pobre em metionina e fórmula metabólica, doses farmacológicas de piridoxina (co-fator da CβS) e betaína; e suplementação com ácido fólico e vitamina B12. Pacientes que respondem à piridoxina geralmente apresentam fenótipos mais brandos. No Brasil, o perfil clínico e genético dos pacientes com a doença é pouco conhecido. Evidências recentes sugerem que os SAA, especialmente a cisteína, têm influência também no metabolismo lipídico e na composição corporal. Estas alterações parecem estar ligadas à supressão hepática da SCD-1 (estearoil-CoA desaturase-1), enzima chave na síntese de ácidos graxos monoinsaturados. Redução de massa adiposa e da expressão da SCD-1 hepática são descritas em camundongos com deficiência de CβS não tratados, mas este fenótipo é revertido com o tratamento. Estas alterações metabólicas ainda não foram estudadas em pacientes com HCU. Objetivos: 1) Descrever o perfil clínico e genético de pacientes brasileiros com HCU; e 2) Avaliar a relação entre SAA, composição corporal, atividade da SCD-1, resistência insulínica e metabolismo lipídico em pacientes com HCU em tratamento. Métodos: Estudo transversal. Dados clínicos de 66 pacientes (57 famílias) provenientes das 5 regiões do país (sul n=12, sudeste n=35, nordeste n=8, norte n=1 e centro-oeste n=1) foram analisados. Amostras de sangue de 30 pacientes não relacionados foram enviadas e o DNA genômico foi isolado para sequenciamento do gene CBS. Amostras de RNA de 6 pacientes foram coletadas para análise de expressão gênica por qRT-PCR. Estudos de expressão em E.coli foram realizados para três mutações nunca descritas. Para investigação de alterações na composição corporal e metabolismo lipídico, dois estudos foram conduzidos. No primeiro, composição corporal foi avaliada por bioimpedância elétrica (BIA) em 9 pacientes e 18 controles; e níveis plasmáticos de metionina, homocisteína total, cisteína, colina, betaína, dimetilglicina e etanolamina foram determinados nos pacientes. No segundo estudo, 11 pacientes e 16 controles foram avaliados. Composição corporal foi avaliada por Dual X-ray Absorptiometry (DXA). Os compostos sulfurados metionina, S-adenosilmetionina, S-adenosilhomocisteína, homocisteína total, cisteína e glutationa; além de lipoproteínas, ácidos graxos livres, acilcarnitinas, leptina, adiponectina, isoprostanos, glicose e insulina foram medidos em plasma. Resistência insulínica foi determinada por HOMA-IR. Os índices SCD-16 e SCD-18, que estimam a atividade hepática da SCD-1 em humanos, foram calculados através das razões produto/precursor dos ácidos graxos correspondentes. Resultados: A análise de dados clínicos revelou predominância de não responsividade à piridoxina (82%). A mediana de idade atual foi de 19 anos (mín: 5; máx: 45 anos) ao diagnóstico, de 10 anos (mín: 1; máx: 39 anos); e ao primeiro sintoma, de 5 anos (mín: 0; máx: 20 anos). As manifestações oculares foram os sintomas mais precoces, o principal motivo da suspeita diagnóstica e a manifestação mais prevalente ao diagnóstico (69% dos casos). Apenas 28% dos pacientes em tratamento tinham homocisteína total <60 μmol/L. Quanto às estratégias de tratamento, 89% dos pacientes utilizavam ácido fólico e piridoxina, 76% betaína, 32% vitamina B12 e 26% e dieta pobre em metionina com fórmula metabólica. O sequenciamento do gene CBS revelou 21 mutações diferentes, sendo as mais prevalentes: p.Ile278Thr (18,2% dos alelos), p.Thr191Met (11,3%), r.[737_828del92, 828_931ins104] (11,3%) e p.Trp323Ter (11,3%). Oito novas mutações foram encontradas. As atividades enzimáticas expressas em E.coli foram de: 1,5% para a mutação c.329A>T; 17,5% para a c.284T>C e 206% para a c.2T>C. A análise de qRT-PCR revelou redução de expressão gênica (54-95%) em todos os pacientes avaliados. Não houve diferença no percentual de gordura em ambos os métodos utilizados para avaliação da composição corporal. Já a massa magra foi menor nos pacientes na avaliação por DXA (p=0,008). Leptina plasmática, colesterol LDL e índice SCD-16 foram significativamente mais baixos nos pacientes (p<0,05). Lipoproteínas apresentaram associações com colina, etanolamina e leptina nos pacientes. Cisteína foi significativamente mais baixa nos pacientes e apresentou correlação positiva com IMC (r=0,912, p=0,001), e tendência de associação com o índice SCD-16 (r=0,624, p=0,054). Não houve diferença nos demais parâmetros avaliados. Conclusões: este estudo traz o panorama clínico e genético mais abrangente da HCU já realizado no Brasil. Observa-se que a maioria dos pacientes apresenta fenótipo grave, o que sugere subdiagnóstico das formas atenuadas/responsivas de HCU. Uma grande variabilidade alélica foi observada, mas as quatro mutações mais prevalentes são responsáveis por mais da metade dos alelos mutados. A redução de leptina, SCD-1 e colesterol LDL, e suas associações com os SAA, corroboram estudos observacionais e experimentais prévios que apontam para um papel destes aminoácidos (em especial a cisteína), na modulação do metabolismo lipídico. === Introduction: Classical homocystinuria (HCU) is a genetic disease caused by cystathionine β-synthase (CβS) deficiency. Biochemically, it is characterized by disrupted metabolism of sulfur amino acids (SAA), with elevated homocysteine and methionine and decreased cystathionine and cysteine in plasma. Clinical signs are mainly related to ocular, vascular, central nervous and skeletal systems. Treatment includes a methionine-restricted diet + metabolic formula, pharmacologically high doses of pyridoxine (cofactor of CβS) and betaine, and supplementation with folic acid and vitamin B12. Usually, patients responsive to pyridoxine present milder phenotypes. In Brazil, little is known about the clinical and genetic profile of patients diagnosed with HCU. Interestingly, recent evidence suggests that SAA, especially cysteine, modulate lipid metabolism and body composition. These changes appear to be linked to the suppression of liver SCD-1 (stearoyl-CoA desaturase-1), a key enzyme for the synthesis of monounsaturated fatty acids. Reduced fat mass and low expression of liver SCD-1 are described in HCU mice, and treatment reverses this phenotype. This phenomenon has not been studied in patients with HCU yet. Objectives: 1) to describe the clinical and genetic profile of Brazilian patients with HCU; and 2) to assess the relationship between SAA, body composition, SCD-1 activity, insulin resistance, and lipid metabolism in treated patients with HCU. Methods: A cross-sectional study was conducted. Clinical data of 66 patients (57 families) from 5 regions of Brazil (south n=12, southeast n=35, northeast n=8, north n=1, and mid-west n=1) were analyzed. Blood samples from 30 unrelated patients were collected and DNA was isolated and the CBS gene sequenced. RNA samples from 6 patients were collected and gene expression was analysed by qRT-PCR. Expression studies in E.coli of three novel mutations were performed. To study body composition and lipid metabolism, two studies were conducted. In the first, body composition was assessed by bioelectrical impedance analysis (BIA) in 9 patients and 18 controls; and plasma levels of methionine, total homocysteine, cysteine, choline, betaine, dimethylglycine, and ethanolamine were measured in patients. In the second study, 11 patients and 16 controls were evaluated. Body composition was assessed by Dual X-ray Absorptiometry (DXA). The sulfur compounds methionine, S-adenosylmethionine, S-adenosylhomocysteine, total homocysteine, cysteine, and glutathione; besides lipoproteins, free fatty acids, acylcarnitines, leptin, adiponectin, isoprostanes, glucose, and insulin were measured in plasma. Insulin resistance was determined by HOMA-IR. SCD-16 and SCD-18 indices, which estimate liver SCD-1 activity in humans, were calculated by product/precursor ratios of the corresponding fatty acids. Results: Clinical data analysis showed a high prevalence of nonresponsive patients (82%). Patients had a median age at evaluation of 19 years (range: 5-45 years); at diagnosis: 10 years (range: 1- 39 years); and first symptoms at the age of 5 years (range: 0-20 years). Eye manifestations were the earliest symptoms, the main reason for diagnostic suspicion, and the most prevalent symptom at diagnosis (69% of the cases). Only 28% of the treated patients had total homocysteine <60 μmol/L. Regarding treatment strategies, 89% of the patients used folic acid and pyridoxine, 76% betaine, 32% vitamin B12, and 26% methionine-restricted diet + formula. CBS sequencing revealed 21 distinct mutations, among which the most prevalent are: p.Ile278Thr (18.2%), p.Thr191Met (11.3%), r [737_828del92, 828_931ins104] (11.3%), and p.Trp323Ter (11.3%). Eight new mutations were found. Enzymatic activities expressed in E.coli were: 1.5% of normal for c.329A>T mutation; 17.5% for c.284T>C, and 206% for c.2T>C. qRT-PCR analysis showed reduced gene expression (54-95%) in all patients studied. Body composition analysis showed no difference in adiposity between patients and controls. However, lean mass was lower in patients according to DXA assessment (p = 0.008). Plasma leptin levels, LDL cholesterol, and SCD-16 index were significantly reduced in patients (p <0.05). Lipoproteins showed associations with choline, ethanolamine, and leptin levels in patients. Cysteine was significantly lower in patients, and positively correlated with BMI (r = 0.912, p = 0.001), and with SCD-16 index (r = 0.624, p = 0.054). No differences were observed for the remaining variables. Conclusions: This study provides the most comprehensive clinical and genetic profile of HCU ever held in Brazil. Most of the patients studied here presented a severe phenotype, suggesting underdiagnosis of milder/responsive types of HCU. A great number of private mutations was observed, but the four most prevalent mutations account for more than half of the mutated alleles. Low leptin, SCD-1 and cholesterol, and their association with SAA, are in agreement with previous observational and experimental studies that show that SAA (mainly cysteine) have an important role in the modulation of lipid metabolism.