Summary: | A repetição, diria David Hume, nada muda no objeto que se repete em si, mas altera algo no espírito que o contempla: ela desencadeia uma diferença de percepção naquele que observa. Os textos do dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995) são marcados pelo retorno sistemático de palavras, frases, expressões, personagens e temas, a ponto de a crítica recente que se articula em torno dele ver nessa característica uma espécie de ethos lagarciano. A análise pormenorizada de dois textos do autor Carthage, encore (escrito no início de sua carreira) e Jétais dans ma maison et j\'attendais que la pluie vienne (no fim de sua vida) revela um aspecto interessante: neles a repetição parece funcionar como uma agulha, tecendo a obra, desencadeando uma outra percepção da temporalidade na qual passado, presente e futuro vão gradativamente diluindo-se, condensando-se: suspende-se a apreensão da passagem do tempo e, simultaneamente, abre-se uma brecha na eternidade. O presente trabalho propõe-se a entender o uso da repetição nestes dois textos percebendo-a como um elemento performativo (de acordo com os trabalhos sobre teatro performativo realizados por Josette Féral, e sobre performance, de Paul Zumthor e Renato Cohen), isto é, cujo emprego numa sentença cria uma força ilocucionária capaz de produzir um efeito de suspensão temporal, alterando a percepção do público (leitor ou espectador).
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Repetition, according to David Hume, changes nothing in the object that is repeated, but modifies something in the spirit which beholds it: it unleashes a difference in perception in the observer. The texts of the French playwright Jean-Luc Lagarce (1957-1995) are marked by the systematic return of words, phrases, expressions, characters and themes, to the point that the recent criticism that revolves around him sees in this characteristic a kind of Lagarcian ethos. The detailed analysis of two texts of the author - Carthage, encore (written in the beginning of his career) and Jétais dans ma maison et jattendais que la pluie vienne (in the end of his life) reveals an interesting aspect: in them repetition works as a needle, weaving his work, unleashing another perception of the passing of time, in which past, present and future gradually thin out, becoming compact: the apprehension of the passing of time is suspended and, simultaneously, a gap to eternity is open. The present paper proposes to understand the use of repetition in these two texts as a performative element, that is, whose use in a sentence creates an illocutionary strength able to produce an effect of time suspension, modifying the perception of the public (reader or spectator).
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