Summary: | Os estudos sobre desenvolvimento e criminalidade produziram um discurso que toma o comportamento infracional como um acontecimento investido de um alto padrão de repetição e estabilidade. Ao mesmo tempo em que refletem as concepções sociais, esses estudos orientam o interesse de investigação para a continuidade, negligenciando a existência de múltiplas trajetórias desenvolvimentais e legitimando o próprio conhecimento e discurso produzidos. Do ponto de vista empírico, verifica-se a predominância da identificação dos fatores envolvidos na manifestação da delinqüência e no seu curso de desenvolvimento e, nesse sentido, as produções resultantes são discursos que falam sobre os infratores e não a partir de ou com eles. Nesse trabalho, defende-se a idéia de que para compreender os processos de desenvolvimento em contextos criminais, faz-se necessário considerar as significações atribuídas a esse fenômeno, principalmente por parte de quem o vivenciou. Desloca assim a discussão e a investigação sobre continuidade e descontinuidade para o âmbito da construção de identidades pessoais e sociais. Compartilhando uma concepção de pessoa humana múltipla, situada em contextos interacionais, que negocia posições a cada momento, defende-se que continuidade e descontinuidade de si só podem ser entendidas dentro do jogo complexo de relações entre as posições assumidas pelas e atribuídas às pessoas que, mais do que obedecer a uma lógica linear, atuam numa multiplicidade dialógica. A partir da utilização de conceitos advindos das perspectivas da identidade narrativa, Dialogical Self e Rede de Significações, defende-se que continuidades e descontinuidades acontecem num movimento de figura e fundo de posicionamentos mediados por relações sociais e culturais, permitindo a existência de \"novas\" e \"velhas\" posições, oriundas do tempo histórico, do tempo vivido e do aqui e agora. Partindo desses pressupostos, o objetivo do trabalho é investigar como a relação entre continuidade e descontinuidade de si se articula na narrativa dos participantes e como, numa situação de entrevista autobiográfica, eles se posicionam e são posicionados ao significar os eventos vividos, no nível do evento narrado e no nível do evento narrativo. O corpus da investigação foi construído através de entrevistas realizadas com dois homens que tiveram envolvimento com o crime em algum momento de suas vidas. Considerando a narrativa como um recurso privilegiado de descrição e construção de si, a partir de uma concepção dialógica, ela é tratada de modo a compreender tanto os posicionamentos assumidos pelos participantes nos diferentes momentos de vida narrados como posicionamentos emergentes na interação pesquisador-pesquisado e nas marcas de linguagem, como mistura de tempos verbais, pausas, sentenças inconclusas. A análise aponta para existência de um movimento onde continuidade e descontinuidade de si se dão numa negociação de posições mais do que num simples deslocamento ou substituição; negociações carregadas de conflitos e permeadas por questões de gênero, classe e poder.
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The studies of development and criminal activities yielded a discourse that considers the criminal behavior as an event pervaded of a high pattern of repetition and stability. These studies reflect the social conceptions about offenders at the same time they guide the inquiry for continuity, neglecting the existence of multiple pathways and legitimizing their own acknowledgment. From the empirical point of view, it prevails the search of factors involved in the displaying of the delinquency and in its development in the life course. In this sense, the resultant productions are discourses on criminals, not from or with them. This work defends the idea that to understand the development processes in criminal contexts it is necessary considering the meanings conferred to this phenomenon, mainly by who lived it. Therefore, the discussion and investigation of the continuity and discontinuity for the scope of construction of the personal and social identities is dislocated. Sharing the conception of multiple human being, which is situated in interactional contexts, that negotiates positions at each moment, it is defended that the self continuity and discontinuity only can be understood in a complex game of relations among positions assumed by and attributed to people. More than liner logic, these relations take place in a multiple dialogic. Using concepts from the perspective of the narrative identity, Dialogical Self and Network of Meanings, it is defended that the continuities and discontinuities occur in a back and figure movement of positions, mediated by social and cultural relations. It allows the existence of \"new\" and \"old\" positions, from the historical time, the lived time and from here and now. Starting from this assumption, the work aims to investigate how the relation between self continuity and discontinuity are articulated in the narrative of the participants. It is intended to investigate how in a situation of autobiography interview, they position themselves and are positioned, in the level of the narrated event and in the level of the narrative event. The corpus of the investigation was constructed through interviews performed with two men that were involved with crime in some time of their lives. Considering the narrative as a privileged resource of self description and construction, from a dialogical conception, it is treated to understand positioning assumed by the participants in their different moments of life narrated as well as emergent positions in the interaction researcher-researched and in the language marks, as a mixture of verbal times, pauses, unconcluded sentences. The analyses point out to the existence of a movement where self continuities and discontinuities combine themselves in a negotiation of positions more than in a simple displacement, negotiations full of conflicts and permeated by questions of gender, class and power.
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