Summary: | Esta tese tem como objetivo contar as histórias de peregrinações (Ingold, 2011) vividas ao acompanhar as cabritas que partem da comunidade quilombola de Palmas, localizada na zona rural do município de Bagé, fronteira sul e oeste do Rio Grande do Sul, e vão de caminhão até um aviário em Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre, onde são vendidas para casas de religiões de matriz africana para participarem de rituais de abate sacralizado. Nesse trajeto, são consideradas as cabritas, os humanos que com elas se relacionam e as condições ambientais de movimentação e de convívio com as mesmas durante a pesquisa etnográfica (Despret, 2011). As relações entre humanos e animais serão abordadas a partir da noção de etnografia multiespécies (Kirksey e Helmreich, 2010), tensionando o antropocentrismo ao dar ênfase na transespecificidade (Sá, 2013) das implicações mútuas entre as definições de humanos e não-humanos. A pesquisa foi impulsionada pelas controvérsias surgidas a partir da discussão do Projeto de Lei 21/2015, proposto na Assembleia Legislativa do rio Grande do Sul pela deputada evangélica e ativista da proteção animal Regina Becker Fortunatti, que visava proibir o abate sacralizado de animais nas casas de religiões de matriz africana do Rio Grande do Sul O que era para ser um estudo sobre os rituais de iniciação no Batuque (Dos Anjos, 2001) e a necessidade de os animais sacralizados nesses eventos terem uma “vida boa”, “imaculada”, em contrapartida com as acusações de “barbárie” e “assassinos” contra o pessoal de religião, acabou por se ampliar em uma descrição de como terreiros urbanos e quilombos rurais compartilham mundos na resistência ao racismo, às forças de aniquilação da diferença do Estado brasileiro e seus tentáculos capitalistas. No rastro das cabras, nas relações entre o quilombo de Palmas e os terreiros da região de Porto Alegre, eclode um cosmo de seres vivendo vidas em aliança, apontando para possibilidades profícuas de multiplicação dos agentes e vozes nos estudos de Etnologia Afro-brasileira. O intercâmbio de animais, ervas, mel, grãos e os cuidados mútuos com essas culturas esboçam coexistências compartilhadas por meio de trilhas que surgem de experiências negras corporificadas nos movimentos constantes de suas epistemes peregrinas. === This PhD thesis aims to tell the stories of peregrinations (Ingold, 2011) lived by accompanying the goats that depart from the quilombola community of Palmas, located in the rural area of the municipality of Bagé, south and west border of Rio Grande do Sul, as they go by truck to an aviary in Alvorada, metropolitan region of Porto Alegre, where they are sold to houses of afro-brazilian religions to participate in rituals of sacred slaughter. In this path, the goats are considered, as well as the humans that relate to them and the environmental conditions of movement and conviviality during the ethnographic research (Despret, 2011). Relationships between humans and animals will be approached from the notion of multispecies ethnography (Kirksey and Helmreich, 2010), stressing anthropocentrism by emphasizing the transespecificity (Sá, 2013) of the mutual implications between definitions of humans and nonhumans. The research was fueled by controversies arising from the discussion of the Bill Project 21/2015, by evangelical and animal rights activist Regina Becker Fortunatti, which aimed to prohibit the sacrificial slaughter of animals in the houses of afro-brazilian religions in Rio Grande do Sul What was meant to be a study of initiation rituals in Batuque (Dos Anjos, 2001) and the need for sacred animals in these events to have a “good”, "immaculate life", in contrast to the accusations of "barbarism" and "murderers" against religion personnel, has been expanded in a description of how urban terreiros and rural quilombos share worlds in resistance to racism, to the annihilation forces of the difference managed by the Brazilian state and its capitalist tentacles. In the trail of the goats, in the relationship between the Palmas quilombo and the terreiros located in the Porto Alegre region, emerges a cosmos of beings living lives in alliance, pointing to proficuous possibilities for the multiplicity of agents and voices in the studies of Afro-Brazilian Ethnology. The interchange of animals, herbs, honey, grains and mutual care with these cultures sketches coexistences that are shared by the trails, which arise from black experiences embodied in the constant movement of their peregrine epistemes.
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