Revista História da Educação - RHE, v. 12, n. 26, 2008

<p><strong>APRESENTAÇÃO: RELEITURAS HISTÓRICAS DO ENSINO SECUNDÁRIO</strong></p> <p>A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação tem se pautado por um trabalho sério, criterioso e organizado. Em 1997, co...

Full description

Bibliographic Details
Main Author: RHE Asphe
Format: Article
Language:Spanish
Published: Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE) 2011-03-01
Series:História da Educação
Online Access:http://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/19879
Description
Summary:<p><strong>APRESENTAÇÃO: RELEITURAS HISTÓRICAS DO ENSINO SECUNDÁRIO</strong></p> <p>A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação tem se pautado por um trabalho sério, criterioso e organizado. Em 1997, com o surgimento de sua Revista - História da Educação - pôde socializar diversos trabalhos e pesquisas de estudiosos da área. Para além dos diversos artigos, resenhas e traduções de intelectuais reconhecidos, essa revista também reproduziu uma seção denominada “documentos”, procurando tornar acessível a uma gama de interessados certas fontes raras e/ou inéditas. Por fim, sempre no intuito de possibilitar trocas, debates e aprofundamentos de pesquisa, em números especiais, o periódico científico da Asphe tem procurado elaborar dossiês. A primeira tentativa coube à revista n. 19, de abril de 2006, com o dossiê denominado “O Ensino de História da Educação nos Cursos de Pedagogia do Rio Grande do Sul”. Cabe a nós mantermos essa iniciativa viva, eis a razão deste segundo dossiê, que tem por tema o ensino secundário brasileiro.</p> <p>Nos últimos anos, pesquisadores de diversas partes do mundo vêm se reunindo em fóruns específicos de discussão e produzindo trabalhos coletivos sobre o ensino secundário numa perspectiva histórica. Em maio de 2001 foi publicado um número especial da <em>Revue Histoire de l`Éducation</em>, organizada por Marie-Madeleine Compère e Philippe Savoie, dedicada ao ensino secundário, tendo como título “L’établissement scolaire: dês collèges d’humanités à l’enseignement secondaire, XVI-XX siècles”. Entre 10 e 13 de julho de 2002, em Paris, realizou-se o XXIV ISCHE, que teve como tema “o ensino secundário: história institucional, cultural e social”, em comemoração ao bicentenário da criação dos liceus na França, quando foram apresentados trabalhos de vários países sobre o ensino secundário. Entre esses relatos de pesquisa, alguns deles foram selecionados para integrar o volume 40, números 1 e 2 da revista <em>Paedagogica Historica</em>, cujo tema é <em>Secondary Education: Institutional</em>, <em>Cultural and Social History</em>. Em 15 e 16 de novembro de 2002, na França, ocorreu o colóquio “Napoléon et les Lycées”, organizado pelo <em>Institut Napoléon </em>e pela <em>Bibliothèque Marmottann</em>, quando também foi discutida a criação dos liceus franceses na época napoleônica.</p> <p>Por sua vez, alguns dos textos apresentados no XXIV Ische foram publicados no Brasil, na coletânea organizada por Ariclê Vechia e Maria Auxiliadora Cavazotti, sob o título “A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). Como esclarece António Nóvoa na apresentação dessa obra, o congresso de Paris centrou-se no ensino secundário, esse “todo poderoso império do meio” - na expressão consagrada por Lucien Febvre. O historiador português afirma ser “a idéia de meio, em toda a sua força e ambigüidade, que melhor traduz a história de um ‘poderoso império’, que nem sempre tem sido investigado com a atenção devida”, concluindo que os estudos históricos sobre educação infantil, primária e superior são mais abundantes do que aqueles que versam sobre o ensino secundário.</p> <p>Essa nova preocupação com questões pouco exploradas pela historiografia da educação só tem a contribuir com um melhor e mais profundo conhecimento da escolarização entre o curso primário e o ensino superior. Um grande desafio ainda envolve o estudo e aprofundamento de determinadas questões sobre o ensino secundário, pois, mesmo com a publicação de ensaios e a realização de alguns congressos temáticos, muito ainda tem a ser dito sobre o “todo poderoso império do meio”. Na perspectiva dessas novas tendências e na tentativa “da construção a muitas mãos”, procuramos sanar parcialmente essa lacuna elaborando um “dossiê” sobre o ensino secundário brasileiro.</p> <p>A partir de um levantamento historiográfico baseado em Moraes e Berrien (1949), Warde (1984), Alves (2001) e Bastos, Bencostta e Cunha (2004), constatamos diversas lacunas. Por enquanto evidenciamos a pouca produção de trabalhos relativos ao ensino secundário referentes a alguns temas como o ensino profissional, manuais didáticos, formação docente e a alguns períodos históricos como, por exemplo, a época da redemocratização brasileira – entre o final do Estado Novo e o golpe de 1964 – e a reforma do ensino secundário implementada pelo regime militar, que resultou na criação do segundo grau. Existe, portanto, a necessidade de empreender novos estudos exploratórios e de análise sobre alguns períodos históricos e certos temas referentes ao ensino secundário, ao segundo grau e ao atual ensino médio.</p> <p>O ensino secundário sempre foi considerado o nível de escolarização propedêutica dirigido às elites que ambicionam ingressar nos cursos superiores. Esse tipo de ensino plasmou-se em modelos adotados em grande parte nos países europeus, sendo transportados e adaptados no Brasil desde o período colonial brasileiro. As mais representativas escolas de estudos médios dos países ocidentais foram os antigos colégios do Antigo Regime, e, a partir do século XIX, os “lycées” na França1, os “gymnasium” na Alemanha e as “Grammar Schools” na Inglaterra. Os currículos desses estabelecimentos de ensino secundário foram em grande parte herdeiros da tradição pedagógica clássico-humanista, estabelecida e disseminada sobremaneira pelos padres jesuítas a partir do século XVI e, posteriormente, reinventada pelo “estado educador”. Em geral, todos visavam possibilitar aos adolescentes uma formação literária e propedêutica, que os habilitasse e os preparasse para o ingresso no ensino superior.</p> <p>No entanto, na história da educação ocidental, a tradição clássico-humanista começou a ser quebrada com a emergência de um ensino secundário diferenciado, marcado pela cultura científica e pelas línguas vivas, que se colocou, de forma tímida, nos oitocentos, e se consolidou durante o século XX. De acordo com Durkheim (1995, p. 287), Gréard compilou nada menos do que 75 modificações entre os anos de 1802 e 1887 nos programas de ensino secundário da França. Ele constatou que nos currículos do ensino secundário francês as disciplinas científicas ganhavam espaço, mas não de forma linear, pois às vezes havia restaurações do ensino literário, como parte das oscilações no jogo do poder. O século XIX foi marcado pela disputa entre a Igreja Católica, os monarquistas e os republicanos conservadores, que defendiam o ensino clássico, e os republicanos radicais e os socialistas, que pregavam um ensino científico.</p> <p>No Brasil, durante o século XIX, no Imperial Colégio de Pedro II, nos liceus provinciais e mesmo nos colégios privados, predominou a tradição clássico-humanista, geralmente inspirada no modelo dos liceus franceses. Com a implantação do regime republicano e a partir de idéias positivistas, houve valorização da matemática e das línguas vivas, mas o currículo do Ginásio Nacional/Colégio Pedro II - padrão nacional para efeitos de equiparação e oficialização dos colégios de ensino secundário - manteve as línguas clássicas e não se constituiu numa ruptura significativa com a tradição clássico-humanista. Na década de 1920, o debate em torno da valorização das Ciências Naturais no ensino secundário ganhou fôlego, especialmente entre os intelectuais reformadores da educação nacional. A Reforma Francisco Campos (1931) realizou a modernização do ensino secundário no Brasil, por meio da implantação de vários elementos curriculares inovadores como a seriação compulsória, a criação de dois ciclos, a freqüência obrigatória dos alunos, bem como a valorização das disciplinas científicas e do vernáculo.</p> <p>O presente dossiê se propõe realizar releituras históricas do ensino secundário brasileiro. O conjunto de textos não focaliza o ensino de segundo grau - criado pela Lei 5.692, de 1971 - e nem o atual ensino médio, mas coloca o foco sobre o ensino secundário no Brasil durante o século XIX e de boa parte do século passado. Os artigos estão organizados em certa ordem cronológica: um primeiro grupo de textos dedica-se a repensar o ensino secundário durante o Império, enquanto os outros ensaios refletem sobre esse mesmo nível de escolarização no período republicano. Eles tratam de diversificadas questões numa perspectiva histórica como o ensino militar, manuais escolares, disciplinas-saber, cultura escolar, sociabilidade e gênero e intelectuais da educação. São questões relevantes para a historiografia da educação, abordadas a partir de diferenciados referenciais teóricos, em que a história dialoga, de forma frutífera e criativa, com outras Ciências Sociais.</p> <p>O ensino secundário nos oitocentos é revisitado inicialmente pelo artigo “O ensino secundário militar na contramão das tendências do império”, de Cláudia Alves, que procura mostrar como o ensino secundário militar teve formato seriado e foco nas Ciências Naturais, na segunda metade do século XIX. Essa cultura escolar, também praticada em alguns colégios confessionais, contrasta com o modelo dominante do ensino secundário no período imperial, marcado por cursos preparatórios e por exames parcelados – segundo o estudo clássico de Haidar (1972). O Imperial Colégio de Pedro II e os liceus provinciais tiveram como modelo principal o <em>lycée </em>francês. Nesta direção, noensaio “Manuais escolares franceses no Imperial Colégio de Pedro II”, Maria Helena Camara Bastos apresenta a disseminação da francofonia no ensino secundário brasileiro a partir de um estudo instigante sobre manuais escolares. No período imperial, o sistema escolar brasileiro foi transversalizado pela galomania e, não por acaso, houve o predomínio das editoras francesas. No entanto, otexto de Eduardo Arriada e Letícia Stander Farias intitulado “O <em>thou, that with surpassing glory crown’d</em>: ensinando inglês aos estudantes brasileiros” chama a atenção para a importância da língua inglesa no ensino secundário brasileiro e sul-rio-grandense durante o Império, embora ela nunca tenha ameaçado a hegemonia do francês.</p> <p>O ensino secundário na Primeira República é relido por dois artigos, que discutem questões distintas durante esse período histórico. O texto “O ensino secundário laico e católico no Rio Grande do Sul, nas primeiras décadas do século XX: apontamentos sobre os ginásios Pelotense e Gonzaga”, de Giana Lage do Amaral, analisa o confronto entre o Ginásio Gonzaga, dirigido por padres jesuítas, e o Ginásio Pelotense, vinculado à maçonaria, na cidade de Pelotas. Essa tensão, discutida em nível local, colocou-se nas primeiras décadas do regime republicano em nível nacional, sendo que a Igreja Católica logrou êxito na consolidação da maior rede confessional de ensino secundário.</p> <p>Ademais, a partir desses dois estabelecimentos de ensino secundário foram instituídas a Universidade Católica e a Universidade Federal de Pelotas. Na década de 1920, emergiu uma fértil problematização do regime republicano, que no campo educacional foi colocada, especialmente, pela Associação Brasileira de Educação e por suas conferências nacionais de educação. É nesta conjuntura que se insere o artigo “Lysímaco Ferreira da Costa e o ensino secundário brasileiro”, de Geysa Spitz Alcoforado de Abreu, que detalha a intervenção de um intelectual paranaense que defendia a ciência aplicada e a modernização do ensino secundário. Desta forma, Lysímaco Ferreira da Costa entabulou interlocução com vários renovadores da educação nacional do eixo Rio-São Paulo.</p> <p>Enfim, três artigos versam sobre estabelecimentos católicos de ensino secundário, a partir de inspiração bourdieusiana e da perspectiva de gênero. O ensaio “A formação do <em>esprit de sion</em>”, de Ângela Xavier de Brito, estuda a “cultura escolar católica de tradição francesa” no Colégio Notre Dame de Sion do Rio de Janeiro. O intuito da socióloga franco-brasileira é descortinar as estratégias explícitas e sutis da socialização escolar de adolescentes do sexo feminino de uma fração das classes abastadas da então capital do Brasil, colocadas em marcha por freiras de origem francesa. O artigo “A educação secundária feminina: uma história Catarina (1935-1947)”, de Letícia Cortellazzi Garcia, reflete sobre a socialização de alunas no Colégio Coração de Jesus, localizado em Florianópolis e dirigido pelas Irmãs da Divina Providência de ascendência germânica. Esse trabalho contribui para compreender a generificação da cultura escolar inscrita na Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942) e, sobremaneira, nas práticas educativas dirigidas a moças de elite da acanhada capital catarinense dos anos 30 e 40 do século XX. O texto “A força da tradição: ex-alunos do Colégio Catarinense em destaque e em rede”, de Norberto Dallabrida, procura compreender a importância simbólica dos ex-alunos célebres na construção da excelência escolar de um colégio de elite e a articulação da associação de ex-alunos com o intuito de manter e atualizar capital social.</p> <p>A releitura histórica do ensino secundário realizada no presente dossiê deseja contribuir com o debate contemporâneo em torno da universalização e da democratização do ensino médio brasileiro.</p> <p> </p><p>Eduardo Arriada e Norberto Dallabrida</p><p>(organizadores)</p>
ISSN:1414-3518
2236-3459