Summary: | É com imensa satisfação que a RSulACP lança em seu terceiro número o Dossiê “América
Andina”. O Dossiê reúne dois conjuntos de artigos dedicados ao entendimento da realidade política,
econômica e cultural da Região Andina, composta por Chile, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia e
Equador. Sua concepção surgiu após a realização do Seminário de Estudos Latino-americanos
“Interpretando os Andes: os novos paradigmas para o século XXI”, ocorrido em junho de 2013, na
Universidade de Integração Latino-americana (UNILA), com o financiamento do CNPq. A presente
edição conta, portanto, com alguns artigos apresentados no âmbito deste encontro e da recepção
pela chamada pública e aberta do Dossiê.
Especialmente a partir dos anos 2000, os últimos três países supracitados transformaram-se
em um epicentro de resistência populares, governamentais e intergovernamentais em relação às
políticas neoliberais que varreram o continente latino-americano na década de 1990. Cada qual a
sua maneira, tais contextos que envolvem a refundação do Estado e sua relação com o direito,
sociedade, cultura, economia e ambiente, têm reproduzido, mas também subvertido e questionado,
alguns princípios do modelo hegemônico ocidental de democracia, representativa e liberal.
Particularmente, as novas cartas constitucionais da Bolívia e do Equador introduziram para
uma gramática pluriversal dos Direitos Humanos outras referências das comunidades originárias,
envolvendo noções não individualistas e não eurocentradas de participação, representação,
autonomia, autodeterminação, território, natureza, recursos naturais, bem-viver e cultura. Ainda que
não livre de contradições e problemas, o novo-constitucionalismo latino-americano – inaugurado
para alguns autores com a própria Constituição Cidadã de 1988 no Brasil – representa importantes
tentativas de rompimento com a colonialidade e o colonialismo interno – duas marcas históricas
presentes em todo o continente. No século XXI, o sentido de uma segunda e necessária
descolonização, como lembra Enrique Dussel, faz-se particularmente sentir na América Andina.
É claro que estes processos refundadores, para utilizar a caracterização de Fabrício Pereira da
Silva, não se estendem de forma automática para os outros países da região - tampouco para a
região do Cone Sul -, o que demonstra uma heterogeneidade de condutas e posturas que envolvem
continuidade e rupturas em relação à condução de políticas domésticas e externas. Em termos da
formação dos blocos regionais andinos, Renata Peixoto de Oliveira traz a diferenciação entre o
“Consenso Bolivariano” (eixo contra-hegemônico) e o “Consenso de Washington” (eixo
neoliberal), respectivamente, representados pela ALBA e pela Aliança do Pacífico.
Estes movimentos, à maneira de Ernesto Laclau, também podem ser considerados populistas.
Para o autor argentino, o populismo pode ganhar um significado democrático e representativo,
desde que articulado com outros processos de refundação institucional comprometidos com a
complexa transformação pretendida pelo populus. Desta perspectiva, a região andina vive um
momento populista contingencial muito singular, personificado em figuras como o falecido Chávez,
Morales e Correa.
Com a exceção do Chile, em cada artigo do presente dossiê, o(a) leitor(a) encontrará
interpretações e análises dedicadas ao entendimento da região andina contemporânea, seja em
perspectiva comparada ou como estudo de caso.
O artigo de Jennifer Marek apresenta, através de um conjunto de dados quantitativos, uma
tese intrigante, ou seja, a de que a percepção pública sobre corrupção da polícia venezuelana está
correlacionada com a percepção referente ao próprio governo venezuelano. Daniele Benzi et al., por
sua vez, trazem um estudo comparado entre as estratégias de cooperação brasileira e venezuelana
para a Bolívia e Equador; também, a perspectiva comparada foi utilizada por André Kaysel para a
compreensão pendular entre radicalismo e moderação nos discursos apristas no Peru e trabalhistas
no Brasil.
Revista Sul-Americana de Ciência Política, v. 1, n. 3, i-ii.
ii
Por sua vez, Fabrício Pereira da Silva procura trabalhar com a reinvenção de tradições,
ideologias e discursos nos governos refundadores da Venezuela, Bolívia e Equador, ao tempo em
que Magda Jimenéz apresenta, de maneira original, o exercício de accountability social pelo
movimento estudantil colombiano no ano de 2011. A Venezuela recebe atenção especial em mais
dois artigos – os de Marcos Antônio da Silva e Anatólio Medeiros Arce e Silvia Nogueira e Alana
Ribeiro –, especialmente, em relação às estratégias diplomáticas e comunicacionais para a
promoção de uma política externa integracionista de inclinação chavista. Por fim, e igualmente
pensando sobre o tema da política externa nos exemplos da Venezuela, Equador e Bolívia, Renata
de Oliveira pergunta-se se é possível apostar em uma leitura decolonial para os enfrentamentos
realizados por estes mesmos governos em termos de alinhamentos regionais e eixos estratégicos.
Finalmente, com este Dossiê, os organizadores pretenderam oferecer um espaço de discussão
e divulgação para análises interdisciplinares dos fenômenos políticos recentemente inaugurados e
protagonizados pela América Andina. Revolução, renovação, reinvenção ou refundação? Seja como
for, o conjunto dos processos retratados neste dossiê tem despertado um interesse mundial,
sobretudo naqueles interessados em práticas e discursos contra-hegemônicos e não-liberais em
busca de mais justiça e democracia – com todos seus refluxos, paradoxos e realizações.
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