Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens
Este artigo pretende contribuir para a etnologia das "flautas sagradas" nas Terras Baixas da América do Sul, retomando a análise de um episódio ocorrido entre 1947 e 1953, envolvendo Leonardo Villas Boas e os índios kamayurá, xinguanos tupi-guarani. Nesse momento, Leonardo manteve, contin...
Main Author: | |
---|---|
Format: | Article |
Language: | Portuguese |
Published: |
Universidade de São Paulo (USP)
2006-01-01
|
Series: | Revista de Antropologia |
Subjects: | |
Online Access: | http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27243 |
id |
doaj-5a9d0eedc17b46be917272842eb9d05d |
---|---|
record_format |
Article |
spelling |
doaj-5a9d0eedc17b46be917272842eb9d05d2020-11-25T03:44:25ZporUniversidade de São Paulo (USP)Revista de Antropologia0034-77011678-98572006-01-0149210.1590/S0034-77012006000200002 Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens Rafael José de Menezes Bastos0UFSC; Departamento de Antropologia Este artigo pretende contribuir para a etnologia das "flautas sagradas" nas Terras Baixas da América do Sul, retomando a análise de um episódio ocorrido entre 1947 e 1953, envolvendo Leonardo Villas Boas e os índios kamayurá, xinguanos tupi-guarani. Nesse momento, Leonardo manteve, continuada e publicamente, relações amorosas com Pele de Reclusa, esposa do grande xamã e chefe Kutamapù. O affair provocou comoção entre os índios, que colocaram um trio de flautas na casa do herói. Assim, quando Pele de Reclusa a freqüentava, via as flautas. Violada a regra que proíbe às mulheres ver as flautas, Pele de Reclusa sofreu estupro coletivo, o que originou seu ostracismo e o afastamento dos Villas Boas dos Kamayurá. Para estes, "ver" contrasta com "ouvir". A primeira noção aponta para uma forma analítica de conhecimento ("explicação"), a segunda, sintética ("compreensão"). A exacerbação da capacidade de "ver" é, para eles, sinal de associalidade - no caso dos feiticeiros - e de suprema socialidade - no caso dos pajés. O exagero da aptidão de "ouvir", ao contrário, é considerado condição de virtuosidade na música e nas artes verbais. Se entre esses índios, às mulheres é vedado ver as flautas, ouvi-las é delas esperado. As pistas para a compreensão indígena do episódio provêm de sua maneira de construção dos sentidos, dos gêneros e do poder - no todo, de sua forma de constituição do mundo: quando Pele de Reclusa violou o inviolável, Leonardo transformou-se em "flauta", sua casa na "casa das flautas", e os homens numa coletividade delas, tudo passando a ocorrer sob sua ética feroz. http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27243flautas sagradasAlto Xinguíndios kamayurácosmologiaaudição do mundo |
collection |
DOAJ |
language |
Portuguese |
format |
Article |
sources |
DOAJ |
author |
Rafael José de Menezes Bastos |
spellingShingle |
Rafael José de Menezes Bastos Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens Revista de Antropologia flautas sagradas Alto Xingu índios kamayurá cosmologia audição do mundo |
author_facet |
Rafael José de Menezes Bastos |
author_sort |
Rafael José de Menezes Bastos |
title |
Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
title_short |
Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
title_full |
Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
title_fullStr |
Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
title_full_unstemmed |
Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
title_sort |
leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens |
publisher |
Universidade de São Paulo (USP) |
series |
Revista de Antropologia |
issn |
0034-7701 1678-9857 |
publishDate |
2006-01-01 |
description |
Este artigo pretende contribuir para a etnologia das "flautas sagradas" nas Terras Baixas da América do Sul, retomando a análise de um episódio ocorrido entre 1947 e 1953, envolvendo Leonardo Villas Boas e os índios kamayurá, xinguanos tupi-guarani. Nesse momento, Leonardo manteve, continuada e publicamente, relações amorosas com Pele de Reclusa, esposa do grande xamã e chefe Kutamapù. O affair provocou comoção entre os índios, que colocaram um trio de flautas na casa do herói. Assim, quando Pele de Reclusa a freqüentava, via as flautas. Violada a regra que proíbe às mulheres ver as flautas, Pele de Reclusa sofreu estupro coletivo, o que originou seu ostracismo e o afastamento dos Villas Boas dos Kamayurá. Para estes, "ver" contrasta com "ouvir". A primeira noção aponta para uma forma analítica de conhecimento ("explicação"), a segunda, sintética ("compreensão"). A exacerbação da capacidade de "ver" é, para eles, sinal de associalidade - no caso dos feiticeiros - e de suprema socialidade - no caso dos pajés. O exagero da aptidão de "ouvir", ao contrário, é considerado condição de virtuosidade na música e nas artes verbais. Se entre esses índios, às mulheres é vedado ver as flautas, ouvi-las é delas esperado. As pistas para a compreensão indígena do episódio provêm de sua maneira de construção dos sentidos, dos gêneros e do poder - no todo, de sua forma de constituição do mundo: quando Pele de Reclusa violou o inviolável, Leonardo transformou-se em "flauta", sua casa na "casa das flautas", e os homens numa coletividade delas, tudo passando a ocorrer sob sua ética feroz. |
topic |
flautas sagradas Alto Xingu índios kamayurá cosmologia audição do mundo |
url |
http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27243 |
work_keys_str_mv |
AT rafaeljosedemenezesbastos leonardoaflautaunssentimentosselvagens |
_version_ |
1724515165403086848 |