Apresentação ao dossiê: Pena de morte e penalidade carcerária no mundo Ibero-Americano (séculos XVI-XX)
Apresentação ao dossiê: Pena de morte e penalidade carcerária no mundo Ibero-Americano (séculos XVI-XX) Prof. Dr. Tiago da Silva Cesar Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) Prof. Dr. Pedro Oliver Olmo Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM) Organizadores O presente dossiê foi fru...
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Universidade Federal do Rio Grande
2019-07-01
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Revista Brasileira de História & Ciências Sociais |
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2019-07-01 |
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Apresentação ao dossiê:
Pena de morte e penalidade carcerária no mundo Ibero-Americano (séculos XVI-XX)
Prof. Dr. Tiago da Silva Cesar
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
Prof. Dr. Pedro Oliver Olmo
Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM)
Organizadores
O presente dossiê foi fruto de uma inquietação e de uma provocação realizada entre os organizadores, então estimulada pela programação do IV Simpósio Nacional de História do Crime, Polícia e Justiça Criminal, celebrada entre os dias 12 e 14 de setembro de 2018, no Recife/Pernambuco, organizada pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Católica de Pernambuco. Perguntávamos se haveria espaço e colaborações suficientes para travar uma discussão sobre a pena de morte, mas ampliando-a ao incorporar também a penalidade carcerária, desde o século XVI ao XX, da história ibero-americana. Idealizando, pensávamos, igualmente, sobre a possibilidade de fazer conexões entre a velha ibéria e o mundus novus.
A proposta, acreditamos importante recordar, partia da ideia de que a pena de morte acompanhava a humanidade desde muito antes do século XVI, mas que não foi até a Idade Moderna, quando se produziriam mudanças significativas em relação a sua incidência. Com o surgimento dos estados modernos, essa pena se converte na máxima expressão do exercício punitivo dos soberanos, ou, de instituições religiosas que, através do corpo supliciado, reativavam seu poder valendo-se de rituais político-simbólicos, incluído aí a exemplaridade dos castigos.
Paralelamente a esses teatros sanguinolentos, entre os séculos XVI e XX, foram surgindo novas formas de punir, que, muito além de uma mera humanização da pena, buscou responder a uma série de interesses e exigências em vista de novos modelos de governabilidade emergentes. De olho nesse processo se descartaria diretamente qualquer visão teleológica e linear do fenômeno punitivo, das práticas de execução capital à pena de privação de liberdade, e desta à prisão como instituição penal propriamente dita.
Partiu-se da premissa de que a pena é uma instituição sociocultural muito complexa que possui sua historicidade em relação às mudanças estruturais e às transformações da sensibilidade coletiva, motivo pelo qual se erige como um objeto de pesquisa de grande relevância no campo compartilhado com as Ciências Sociais e as Ciências Penais. O paralelo entre a pena de morte e a penalidade prisional ajuda a situar a experiência do castigo carcerário além da mera execução de sentenças judiciais em instituições fechadas. A prisão moderna afeta as “almas” dos condenados, bem como os corpos dos prisioneiros que não pagam seus crimes e delitos apenas com a privação da liberdade, mas também com o cerceamento de direitos básicos como, por exemplo, a saúde, o alimento, a instrução, e o trabalho.
Duas questões-chaves que queríamos colocar de manifesto parecem confirmar-se nesse dossiê: 1) a distinção entre “pena” e “penalidade”. A concepção de punição desenvolvida por David Garland em seus estudos, pode resultar esclarecedora, já que este autor considera a punição desde um enfoque culturalista, como um “procedimiento legal que sanciona y condena a los transgresores del derecho penal, de acuerdo con categorías y procedimientos legales específicos”. Nesta noção culturalista da punição, estão involucrados não apenas a administração das sanções, senão também o processo legislativo, o de condenação e sentença. Trata-se de um conceito específico que, de nossa parte, assimilamos a outro ainda mais amplo, isto é, o de penalidade. Não somente estaríamos falando de um emaranhado de leis, procedimentos e instituições, senão também de discursos, representações e experiências de punição, incluindo as experiências de violência institucional.
A segunda questão: 2) a história social das instituições punitivas, que se ocupou da pena de morte em distintas etapas históricas, oferece uma ampla panorâmica de tipo sociocultural e de longa duração, sem obviar seus significados políticos, sua funcionalidade como propósito político de manutenção ou defesa de um regime determinado. Esse alinhamento presta atenção à relação narrativa entre a pena de morte e a mudança histórica, precisamente porque essa instituição punitiva tão extrema, além de expressar mudança social, também forma parte dela.
Pensamos que o conjunto de cinco artigos que em continuação apresentaremos, compõem um dossiê justo e adequado ao pretendido, uma vez que, de fato, contempla estudos sobre os fenômenos apresentados desde diferentes perspectivas teórico-metodológicas, fruto de aprofundamentos de pesquisa por professionais-sênior e novelles, a partir de fontes variadas e enfoques diversificados.
Dois deles tocam de cheio na questão da pena de morte no Brasil. Allister Andrew Teixeira Dias, em A pena de morte no debate criminológico do Rio de Janeiro dos anos 1930, analisa os debates criminológicos acerca da pena de morte na velha capital tupiniquim, atentando principalmente para o conteúdo e a maneira como os saberes biomédicos e psicológicos eram instrumentalizados. Para tal, recorre aos posicionamentos dos membros da Sociedade Brasileira de Criminologia, e ao conteúdo do livro do advogado Jurandyr Amarante, A Pena de Morte (1938). Traça a partir desses materiais o perfil do debate, que então se valia de ideias e noções biológicas e psicológicas para mobilizar um discurso tanto favorável como de rechaço à pena de morte.
O outro estudo é de Fernando Afonso Salla, Alessandra Teixeira, e de Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho, intitulado Contribuições para uma genealogia da pena de morte: desnudando a “índole pacífica” do povo brasileiro. Para os autores, houve disputas em torno da pena de morte no Brasil, as quais podem ser documentadas e evidenciadas a partir dos discursos, dos instrumentos legais que a estipulavam, e das práticas extralegais que indiretamente a promoviam. Descutem-se três níveis de potencial aplicação: aos crimes militares, à dissidência política e à criminalidade comum. Identificada a legislação e os debates travados entre os anos 1920 e 1950, ao contrário da ênfase dada por Dias nos anos 30, Salla, Teixeira e Marinho situam a década de 50 como decisiva para que o discurso da pena de morte passasse a ser mobilizado como principal recurso à contenção da criminalidade comum. Assim, contrapondo à imagem e retórica de um povo pacífico, apresenta-se o apoio popular às formas de justiçamento, as execuções sumárias de suspeitos, esquadrões da morte, além da violência policial.
Como sugere o próprio título do texto de Eli Narciso da Silva Torres e de Dirlene de Jesus Pereira, Punição, sujeito e poder: uma analítica foucaultiana, o estudo se debruça sobre dois dos conceitos-chaves do pensamento foucaultiano, a saber, o de poder e punição. Tomando-os, os autores discutem a sua pertinência e relevância enquanto arsenal teórico e político capaz para se compreender os principais aspectos da sociedade disciplinar em crise, destacando a necessidade de uma ruptura epistemológica devido às íntimas relações entre saber, poder e sujeito na cultura ocidental.
Em Crime e castigo: as consultas ao Conselho de Estado acerca de Processos Criminais envolvendo escravos (1841-1889), a senda trilhada por Ricardo Bruno da Silva Ferreira segue os passos de outros pesquisadores que já se debruçaram alcançando importantes resultados sobre as atas e consultas realizadas ao Conselho de Estado. Para Ferreira, o referido colegiado não ignorou a escravidão, sendo inclusive um ponto de discórdia entre os seus membros, mas por questões políticas circunscreveu a questão às suas reuniões de porta fechada. Devia-se, portanto, evitar a todo custo que vazasse para o âmbito da discussão pública ou do debate parlamentar.
Por último, em Crime e alienação no Portugal de finais do século XIX e inícios do século XX, Alexandra Esteves analisa a atenção dispensada pelo Estado português aos criminosos alienados. Baseada em fontes arquivísticas diversificadas, revela que, apesar de uma legislação e determinações a favor de que os denominados criminosos loucos fossem recolhidos em locais devidamente apropriados, isso de fato nunca ocorreu durante o marco cronológico estabelecido. Em geral, foram duas as instituições que albergaram esse coletivo até bem avançado o século XX, a saber, os hospitais para alienados de Rilhafoles, em Lisboa, e o de Conde de Ferreira, no Porto. Conclui-se, ademais, que as velhas práticas de encarcelamento de loucos nas cadeias persistiram, assim como a entrega daqueles aos cuidados das famílias.
Gostaríamos ainda de agradecer aos autores pela acolhida à nossa chamada para compor este dossiê, aos pareceristas tão indispensáveis para manter a qualidade dos trabalhos, e à equipe de editores da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, pelos cuidados dispensados. Desejamos que os potenciais leitores encontrem discussões norteadoras e subsídios para a reflexão acerca desses e de novos objetos de pesquisa.
Boa leitura! |
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Perguntávamos se haveria espaço e colaborações suficientes para travar uma discussão sobre a pena de morte, mas ampliando-a ao incorporar também a penalidade carcerária, desde o século XVI ao XX, da história ibero-americana. Idealizando, pensávamos, igualmente, sobre a possibilidade de fazer conexões entre a velha ibéria e o mundus novus. A proposta, acreditamos importante recordar, partia da ideia de que a pena de morte acompanhava a humanidade desde muito antes do século XVI, mas que não foi até a Idade Moderna, quando se produziriam mudanças significativas em relação a sua incidência. Com o surgimento dos estados modernos, essa pena se converte na máxima expressão do exercício punitivo dos soberanos, ou, de instituições religiosas que, através do corpo supliciado, reativavam seu poder valendo-se de rituais político-simbólicos, incluído aí a exemplaridade dos castigos. Paralelamente a esses teatros sanguinolentos, entre os séculos XVI e XX, foram surgindo novas formas de punir, que, muito além de uma mera humanização da pena, buscou responder a uma série de interesses e exigências em vista de novos modelos de governabilidade emergentes. De olho nesse processo se descartaria diretamente qualquer visão teleológica e linear do fenômeno punitivo, das práticas de execução capital à pena de privação de liberdade, e desta à prisão como instituição penal propriamente dita. Partiu-se da premissa de que a pena é uma instituição sociocultural muito complexa que possui sua historicidade em relação às mudanças estruturais e às transformações da sensibilidade coletiva, motivo pelo qual se erige como um objeto de pesquisa de grande relevância no campo compartilhado com as Ciências Sociais e as Ciências Penais. O paralelo entre a pena de morte e a penalidade prisional ajuda a situar a experiência do castigo carcerário além da mera execução de sentenças judiciais em instituições fechadas. A prisão moderna afeta as “almas” dos condenados, bem como os corpos dos prisioneiros que não pagam seus crimes e delitos apenas com a privação da liberdade, mas também com o cerceamento de direitos básicos como, por exemplo, a saúde, o alimento, a instrução, e o trabalho. Duas questões-chaves que queríamos colocar de manifesto parecem confirmar-se nesse dossiê: 1) a distinção entre “pena” e “penalidade”. A concepção de punição desenvolvida por David Garland em seus estudos, pode resultar esclarecedora, já que este autor considera a punição desde um enfoque culturalista, como um “procedimiento legal que sanciona y condena a los transgresores del derecho penal, de acuerdo con categorías y procedimientos legales específicos”. Nesta noção culturalista da punição, estão involucrados não apenas a administração das sanções, senão também o processo legislativo, o de condenação e sentença. Trata-se de um conceito específico que, de nossa parte, assimilamos a outro ainda mais amplo, isto é, o de penalidade. Não somente estaríamos falando de um emaranhado de leis, procedimentos e instituições, senão também de discursos, representações e experiências de punição, incluindo as experiências de violência institucional. A segunda questão: 2) a história social das instituições punitivas, que se ocupou da pena de morte em distintas etapas históricas, oferece uma ampla panorâmica de tipo sociocultural e de longa duração, sem obviar seus significados políticos, sua funcionalidade como propósito político de manutenção ou defesa de um regime determinado. Esse alinhamento presta atenção à relação narrativa entre a pena de morte e a mudança histórica, precisamente porque essa instituição punitiva tão extrema, além de expressar mudança social, também forma parte dela. Pensamos que o conjunto de cinco artigos que em continuação apresentaremos, compõem um dossiê justo e adequado ao pretendido, uma vez que, de fato, contempla estudos sobre os fenômenos apresentados desde diferentes perspectivas teórico-metodológicas, fruto de aprofundamentos de pesquisa por professionais-sênior e novelles, a partir de fontes variadas e enfoques diversificados. Dois deles tocam de cheio na questão da pena de morte no Brasil. Allister Andrew Teixeira Dias, em A pena de morte no debate criminológico do Rio de Janeiro dos anos 1930, analisa os debates criminológicos acerca da pena de morte na velha capital tupiniquim, atentando principalmente para o conteúdo e a maneira como os saberes biomédicos e psicológicos eram instrumentalizados. Para tal, recorre aos posicionamentos dos membros da Sociedade Brasileira de Criminologia, e ao conteúdo do livro do advogado Jurandyr Amarante, A Pena de Morte (1938). Traça a partir desses materiais o perfil do debate, que então se valia de ideias e noções biológicas e psicológicas para mobilizar um discurso tanto favorável como de rechaço à pena de morte. O outro estudo é de Fernando Afonso Salla, Alessandra Teixeira, e de Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho, intitulado Contribuições para uma genealogia da pena de morte: desnudando a “índole pacífica” do povo brasileiro. Para os autores, houve disputas em torno da pena de morte no Brasil, as quais podem ser documentadas e evidenciadas a partir dos discursos, dos instrumentos legais que a estipulavam, e das práticas extralegais que indiretamente a promoviam. Descutem-se três níveis de potencial aplicação: aos crimes militares, à dissidência política e à criminalidade comum. Identificada a legislação e os debates travados entre os anos 1920 e 1950, ao contrário da ênfase dada por Dias nos anos 30, Salla, Teixeira e Marinho situam a década de 50 como decisiva para que o discurso da pena de morte passasse a ser mobilizado como principal recurso à contenção da criminalidade comum. Assim, contrapondo à imagem e retórica de um povo pacífico, apresenta-se o apoio popular às formas de justiçamento, as execuções sumárias de suspeitos, esquadrões da morte, além da violência policial. Como sugere o próprio título do texto de Eli Narciso da Silva Torres e de Dirlene de Jesus Pereira, Punição, sujeito e poder: uma analítica foucaultiana, o estudo se debruça sobre dois dos conceitos-chaves do pensamento foucaultiano, a saber, o de poder e punição. Tomando-os, os autores discutem a sua pertinência e relevância enquanto arsenal teórico e político capaz para se compreender os principais aspectos da sociedade disciplinar em crise, destacando a necessidade de uma ruptura epistemológica devido às íntimas relações entre saber, poder e sujeito na cultura ocidental. Em Crime e castigo: as consultas ao Conselho de Estado acerca de Processos Criminais envolvendo escravos (1841-1889), a senda trilhada por Ricardo Bruno da Silva Ferreira segue os passos de outros pesquisadores que já se debruçaram alcançando importantes resultados sobre as atas e consultas realizadas ao Conselho de Estado. Para Ferreira, o referido colegiado não ignorou a escravidão, sendo inclusive um ponto de discórdia entre os seus membros, mas por questões políticas circunscreveu a questão às suas reuniões de porta fechada. Devia-se, portanto, evitar a todo custo que vazasse para o âmbito da discussão pública ou do debate parlamentar. Por último, em Crime e alienação no Portugal de finais do século XIX e inícios do século XX, Alexandra Esteves analisa a atenção dispensada pelo Estado português aos criminosos alienados. Baseada em fontes arquivísticas diversificadas, revela que, apesar de uma legislação e determinações a favor de que os denominados criminosos loucos fossem recolhidos em locais devidamente apropriados, isso de fato nunca ocorreu durante o marco cronológico estabelecido. Em geral, foram duas as instituições que albergaram esse coletivo até bem avançado o século XX, a saber, os hospitais para alienados de Rilhafoles, em Lisboa, e o de Conde de Ferreira, no Porto. Conclui-se, ademais, que as velhas práticas de encarcelamento de loucos nas cadeias persistiram, assim como a entrega daqueles aos cuidados das famílias. Gostaríamos ainda de agradecer aos autores pela acolhida à nossa chamada para compor este dossiê, aos pareceristas tão indispensáveis para manter a qualidade dos trabalhos, e à equipe de editores da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, pelos cuidados dispensados. Desejamos que os potenciais leitores encontrem discussões norteadoras e subsídios para a reflexão acerca desses e de novos objetos de pesquisa. Boa leitura!https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10847 |